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Brasil e China, 50 anos (por André Gustavo Stumpf)

O governo do Brasil passaria a reconhecer a China Comunista e cortaria relações diplomáticas com Taiwan

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Fotografia de uma bandeira da China - Metrópoles
1 de 1 Fotografia de uma bandeira da China - Metrópoles - Foto: Russell Monk/Getty Images

Há no subsolo do Palácio do Itamaraty, em Brasília, um apartamento completo para ser utilizado pelo ministro de estado quando necessário. Tem quarto, banheiro, sala espaçosa, pequena cozinha, onde o titular dos diplomatas brasileiros pode descansar ou receber alguém a salvo de qualquer indiscrição dos jornalistas. A entrada para este apartamento é pela lateral do prédio de maneira que a autoridade não seja percebida por bisbilhoteiros, nem mesmo pelos diplomatas que trabalham na casa.

Vale lembrar este detalhe importante porque no último dia 15 de agosto Brasil e República Popular da China comemoram os cinquenta anos do restabelecimento das relações diplomáticas. Numa época difícil dentro e fora do país, o Brasil reconheceu a China Comunista. A diplomacia brasileira, até então, estava no lado errado da história. Votava nos plenários internacionais ao lado de Portugal salazarista, da África do Sul do apartheid, Taiwan e Israel, em demonstrações públicas de alinhamento à política externa dos Estados Unidos.

O Ministro Azeredo da Silveira, das Relações Exteriores, o popular Silverinha, tinha maneira diferente de agir. Era engraçado, gostava de manter o bom humor, mas sabia o que queria. Ficaram famosos seus encontros com o poderoso Henry Kissinger, o homem forte da política externa dos Estados Unidos, a quem ele chamava de ‘My dear Henry’. Não raro contava piadas e batia na barriga do norte-americano. Foi assim que o Brasil mudou sua posição em relação às províncias ultramarinas de Portugal na África.

A mudança foi rápida. Soube dela na primeira semana do governo Geisel através de uma longa conversa com o poderoso Golbery do Couto e Silva, chefe da Casa Civil da Presidência da República, num sábado pela manhã. Ele avançou tudo que seria feito na política externa e na política interna, que viria a ser a distensão lenta e gradual. Era difícil acreditar porque a atmosfera política no país ainda era contaminada pelas ideias radicais de alguns generais do Exército, entre eles Sylvio Frota, Ministro da Guerra, cujo oficial de gabinete era o jovem Augusto Heleno.

As mudanças vieram de surpresa em surpresa. Primeiro, o Brasil mudou seu voto na ONU   e passou a votar junto com os países árabes. Abandonou a posição pró-Israel. Revogou o acordo militar com os Estados Unidos, através do qual o país recebia equipamentos velhos e obsoletos. Em seguida reconheceu a independência de Angola e Moçambique. No caso de Angola, foi mais longe: abasteceu Luanda, com gêneros alimentícios, quando a cidade estava sitiada pelas forças da África do Sul, o melhor exército da África. Os cubanos entraram com dez mil homens e equipamentos militares. Empurraram os sul-africanos para dentro de suas fronteiras. O Brasil dos generais foi aliado de cubanos comunistas.

Kissinger não gostou. Ele entendia que Angola era um assunto norte-americano, porque Washington patrocinava um grupo de guerrilheiros (UNITA) que combatia os comunistas do MPLA, que acabaram vencendo e tomando o poder. As visitas do poderoso norte-americano à Brasília tratavam deste assunto e de outro problema surgido naquele governo: o programa nuclear do Brasil com a Alemanha. Mas este é outro assunto.

É fácil entender a importância daquele apartamento escondido no prédio do Ministério das Relações Exteriores. Os chineses chegavam pela porta lateral ficavam naquele local, protegidos de qualquer contato, e as duas equipes trocavam informações. No dia em que foi assinado o termo de restabelecimento de relações entre Brasília e Pequim, os chineses tiveram que subir ao gabinete do chanceler e passar pela frente da sala de imprensa. O secretário de Imprensa do Itamaraty, então Conselheiro Luís Felipe Lampreia, tratou de colocar um aparelho de televisão sintonizado em jogo da seleção brasileira. Os chineses passaram pelos jornalistas, sem serem percebidos.  Silveirinha chamou todo mundo para anunciar a novidade. O governo do Brasil passaria a reconhecer a China Comunista e cortaria relações diplomáticas com Taiwan.

Foi um impacto formidável na política brasileira. O pessoal da direita passou a distribuir panfletos anônimos – não havia redes sociais – chamando Silveira de chanceler vermelho. E Geisel de presidente socialista. Os delírios da extrema direita atual não são novos, nem originais. Apesar de tudo isso, o primeiro embaixador do Brasil em Pequim, Aluízio Napoleão de Freitas, tomou posse e abriu o caminho para o espetacular relacionamento comercial entre os dois países. Em 2023 o comércio bilateral atingiu a US$ 157 bilhões. Resultado extraordinário.

Estava em Washington quando recebi do Embaixador Azeredo da Silveira correspondência na qual ele me convidava para escrever as memórias dele. Infelizmente não houve tempo. Ele faleceu antes. Foi um grande chanceler.

 

André Gustavo Stumpf, jornalista (andregustavo10@terra.com.br)

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