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Boric vê ‘brotos verdes’ após início difícil (por Marcos Magalhães)

Aos 37 anos, o mais jovem presidente do Chile se encaminhou ao centro por meio de sua postura política

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Reprodução/redes sociais
Gabriel Boric, presidente do Chile
1 de 1 Gabriel Boric, presidente do Chile - Foto: Reprodução/redes sociais

Um ano depois da posse de Gabriel Boric, multiplicaram-se as perguntas sobre sua atual localização no mapa ideológico. Existem os que ainda o vejam na extrema-esquerda. Há também os que o percebam algumas casas à direita a partir do início de seu mandato.

A sua trajetória mais interessante, porém, parece menos ligada às métricas políticas tradicionais do que ao seu percurso pessoal. Aos 37 anos, o mais jovem presidente do Chile se encaminhou ao centro por meio de sua postura política.

Mesmo diante de duas importantes derrotas no primeiro ano de mandato, ele tem demonstrado a serenidade necessária para dialogar e para colocar em prática a ambiciosa agenda social que o levou ao Palácio de la Moneda.

O exemplo mais recente ocorreu logo após a rejeição, por apenas cinco votos, de sua proposta de reforma tributária. O texto obteve apenas 73 votos na Câmara de Deputados, quando precisaria de 78 para avançar. Houve 71 votos contrários e três abstenções.

A reforma seria um dos principais pilares de seu mandato. Ela previa maior taxação das grandes fortunas e das atividades de mineração, além de modificações no imposto de renda. Arrecadaria o equivalente a 3,6 pontos percentuais do Produto Interno Bruto (PIB).

Com as mudanças, o presidente passaria a ter recursos suficientes para investir na prestação de melhores serviços à população, especialmente em educação e saúde. Poderia ainda promover um aumento de 25% na aposentadoria básica universal.

Em outras palavras, após um primeiro ano acidentado, ele se sentiria mais livre para colocar em prática o que propôs na campanha eleitoral.

O presidente lamentou o episódio, mas não desistiu. Prometeu encontrar o melhor caminho para o debate sobre o tema no Congresso. E encontrou motivação para apresentar uma mensagem otimista sobre o futuro.

“O ano de 2022 não foi fácil”, reconheceu Boric. “Porém, apesar disso, vejo brotos verdes. Temos todas as condições para avançar e colocar em prática as bases de um Estado de bem-estar e garantir os direitos sociais”, afirmou.

Durante quase duas décadas, após o fim da ditadura de Augusto Pinochet, o Chile foi considerado um caso de sucesso na América do Sul. Os arranha-céus da capital, Santiago, são a ilustração, em vidro e aço, de um país que crescia a taxas asiáticas e havia assinado acordos de livre comércio com nações de todo o mundo.

O modelo, porém, não havia sido capaz de reduzir a enorme diferença entre ricos e pobres, ou de garantir serviços básicos de qualidade à população de baixa renda. Os efeitos concretos da desigualdade levaram aos protestos sociais que explodiram ao final de 2019, dos quais um dos maiores símbolos foi justamente Gabriel Boric.

E o que fazer para enfrentar as desigualdades e construir as bases desse Estado de bem-estar social proposto pelo jovem presidente eleito? A primeira proposta foi a de redigir uma nova Constituição. Mas o texto elaborado pelos constituintes acabou rejeitado por 60% dos chilenos.

Assim como no caso da reforma tributária, ele topou sentar e conversar com as mais diversas forças políticas chilenas. Foi nomeada então uma “comissão de notáveis”, aprovada pelo Congresso, que vai redigir o texto a ser submetido aos constituintes a serem eleitos em maio.

Pode-se enxergar seu início de mandato pelas lentes de suas grandes derrotas. Ou mesmo por sua baixa popularidade. Dos 50% que o aprovavam no início do mandato, agora restam 35%.

Mas também se pode lembrar que esses 35% são praticamente iguais aos índices obtidos, após um ano de mandato, pelos ex-presidentes Sebastián Piñera, de direita (37%), e Michelle Bachelet, de esquerda (34%).

Também é possível recordar que, a exemplo do Brasil, Boric enfrenta forte oposição conservadora. Caso tente levar sua reforma tributária ao Senado, por exemplo, terá de negociar com uma bancada de direita que ocupa metade das cadeiras.

Fácil não será. E o presidente precisará fazer isso em um país ainda assustado com altas taxas de inflação e com o crescimento da violência.

Para começar, ele promoveu uma pequena reforma ministerial. Trocou cinco auxiliares, entre os quais seu ministro de Relações Exteriores, para “aprimorar a capacidade de resposta” do governo, além de promover a “melhoria da gestão”.

Ele já tem alguns resultados a mostrar. No campo das relações internacionais, Boric tomou atitudes corajosas para um líder de esquerda, como a de chamar pelo nome – “ditadura” – o atual regime da Nicarágua e a de criticar a falta de liberdades na Venezuela.

Na economia, os resultados começam lentamente a aparecer. Após os 12,8% de inflação em 2022, o país experimentou em fevereiro inflação negativa de 0,1%, algo que não ocorria desde 2020.

As medidas fiscais adotadas reduziram os gastos em 23% no ano passado, e a dívida bruta limitou-se a 37,5% do PIB. Os investimentos estrangeiros diretos em 2022 foram os maiores desde 2015.

Desde o início, o governo foi composto principalmente por jovens e mulheres. O novo ministério tem 12 mulheres e 12 homens. E temas de apelo mais contemporâneo, como o combate às mudanças climáticas, conquistaram inédita relevância.

Para colocar realmente em prática a sua agenda progressista, porém, Boric sabe que precisará conversar com todas as forças políticas. Isso vale para a reforma tributária, sem a qual não terá os desejados recursos para investimentos sociais. E vale para a elaboração da nova Constituição, abrindo caminho a maior participação do Estado na promoção do bem-estar.

Por isso é tão importante a postura negociadora do jovem presidente. De sua habilidade política, em ambiente tão cheio de desafios, dependerá o projeto de garantir ao Chile crescimento econômico acompanhado de uma inédita camada de proteção social.

 

Marcos Magalhães. Jornalista especializado em temas globais, com mestrado em Relações Internacionais pela Universidade de Southampton (Inglaterra), apresentou na TV Senado o programa Cidadania Mundo. Iniciou a carreira em 1982, como repórter da revista Veja para a região amazônica. Em Brasília, a partir de 1985, trabalhou nas sucursais de Jornal do Brasil, IstoÉ, Gazeta Mercantil, Manchete e Estado de S. Paulo, antes de ingressar na Comunicação Social do Senado, onde permaneceu até o fim de 2018.

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