Bolsonaro vai pagar multa imposta por Flávio Dino? (Joaquim Falcão )
As imunidades constitucionais do presidente da República são apenas para quando comete crimes comuns e de responsabilidade
atualizado
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A lei estadual do Maranhão obriga a usar máscara. Bolsonaro não usou. Proibia aglomerações. Bolsonaro as provocou. Presidente da República pode ser multado por infrações administrativas? No limite, esta multa é constitucional, ou não? Esta é a questão.
No dia 21 de maio de 2020, a Superintendência de Vigilância Sanitária do Maranhão autuou o presidente Bolsonaro por não usar máscara e promover aglomerações na cidade de Açailândia.
A Constituição é muito clara. As imunidades constitucionais do presidente da República são apenas para quando comete crimes comuns e de responsabilidade.
Nestes casos, e somente nestes casos, tem direito a julgamento perante o Senado por crimes de responsabilidade. E perante o Supremo por crimes comuns. Ambos mediante autorização da Câmara.
Há inclusive um precedente do ministro Celso de Mello, de quem tanto sentimos saudade, dizendo que a imunidade do presidente não se estende a matérias extrapenais. É muito claro.
“O presidente da República não dispõe de imunidade, quer em face de ações judiciais que visem a definir-lhe a responsabilidade civil, quer em função de processos instaurados por suposta prática de infrações político-administrativas, quer, ainda, em virtude de procedimentos destinados a apurar, para efeitos estritamente fiscais, a sua responsabilidade tributária.”
Ou seja, a multa é constitucional.
Se o presidente da República, em dia de lazer, dirige um carro e ultrapassa a velocidade permitida, pode ser multado. Moto também. Simples assim. Os deveres do cidadão não se apagam com os privilégios do cargo.
A autuação do Maranhão segue o rito da lei de infrações sanitárias. Instaura-se processo administrativo no qual o autuado vai ter 15 dias para apresentar uma defesa. Deve estar sendo notificado nesses dias.
Caso Jair Bolsonaro venha a se defender no processo administrativo, o agente público que autuou vai se manifestar novamente. Em seguida, a autoridade sanitária competente vai proferir uma decisão final. Confirmada a autuação, vira multa com valor a ser arbitrado.
A nível estadual, a autoridade máxima decisória será o governador Flávio Dino. Se ajuizada a ação, será o Tribunal de Justiça Estadual. Em seguida, virão os tribunais superiores.
Vai demorar muito. Anos, dirão alguns. Como inclusive sugere a recentíssima pesquisa JUSBarômetroSP, feita pela APAMAGIS, dos próprios juízes, e pelo acreditado instituto de pesquisa IPESPE.
Os advogados vão alegar o possível e o impossível. A multa nunca vai se pagar. Dizem aqueles desiludidos com a experiência recente em alguns tribunais.
O que temos constatado é que, no governo Bolsonaro, o poder se manifesta não somente via o exercício das instituições. Mas também através da comunicação, dos gestos simbólicos, das disputas midiáticas, e por aí vamos. Através de narrativas que as autoridades criam, descriam, recriam, inventam desinventam, reinventam, dizem não dizendo, não dizem dizendo, ameaçam. Palavras, palavras, palavras, diria Hamlet. Nem todas, porém.
A questão é mais grave. E se a moda pega? E se em diversos estados e municípios que discordam com a atitude negacionista, que aumenta o risco de mortes e internações, toda vez que o presidente chegar, ele fosse autuado com base nas leis locais? A jurisdição local é geograficamente impositiva.
Além de eventuais autuações, registram-se e acumulam-se nacionalmente, talvez, ocorrências. Podem fundamentar desgastes políticos maiores.
A obrigação de usar máscara com base na lei local não impede, nem prejudica, nem obstrui, de qualquer maneira, o exercício do cargo de presidente.
Embora às vezes, este exercício do cargo prejudique a proteção dos eleitores. Sobrevivência, até.
Joaquim Falcão é jurista, membro da Academia Brasileira de Letras, professor de Direito Constitucional e Conselheiro da Transparência Internacional.