Bolsa Família Educação (por Cristovam Buarque)
Lula poderia ter feito transformações maiores, com uma nova Bolsa Família, com mais impacto
atualizado
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O governo Lula demonstrou coragem política e lucidez para corrigir a “bondade contaminada” deixada pelo governo anterior, que transformou a Bolsa Família em Auxílio Brasil, retirando a condicionante dos filhos dos beneficiários frequentarem a escola. É nesta exigência que está a “semente transformadora” para que estas crianças, quando adultas, não precisem de bolsa nem auxílio para sobreviver; e o Brasil seja um país onde todos tenham condições de emprego e renda.
Mas se tivesse escutado opiniões externas aos quadros do seu governo, Lula poderia ter feito transformações maiores, com uma nova Bolsa Família, com mais impacto.
Perdeu a chance de acoplar à nova Bolsa Família o programa Poupança Escola, do governo do PT no DF, em 1995, pelo qual se incentivava o aproveitamento e a permanência do aluno, ao depositar um valor em caderneta de poupança em seu nome, se aprovado ao final de cada ano letivo, só podendo retirar o depósito, quando e se terminasse o Ensino Médio.
Não seria necessário voltar ao antigo nome Bolsa Escola, criado pelo governo do PT no Distrito Federal, em 1995, mas teria um impacto muito positivo aproveitar a reforma para vincular Educação no nome do programa. Ao receber a renda com o nome de Bolsa Família Educação, a mãe teria o sentimento de que seu filho ganha para estudar, e não como o auxílio por ser pobre.
Teria sido extremamente positivo ter incluído a exigência de os beneficiados comparecerem à escola dos filhos, pelo menos uma vez por mês, para acompanhar seus estudos e dialogar com os professores. Os muitos pais que são analfabetos deveriam ter o condicionante de seguirem cursos de alfabetização, recebendo outros incentivos como a Bolsa Alfa, outro programa do governo do PT no DF, em 1995-98, quando demonstrasse ter saído do analfabetismo.
O governo Lula enfrentou a “bondade contaminada”, mas não tomou a Bolsa Família renovada como parte da concepção mais ampla para ela ser a “semente transformadora” da sociedade, ao ponto de provocar sua própria extinção, por se tornar desnecessária, graças à educação das crianças.
Para ter uma finalidade educadora, teria sido importante que o Bolsa Família fosse gerenciado pelo Ministério da Educação, como era no passado, e não pelo ministério que cuida da assistência social. Este cuidaria dos demais programas de auxílio aos grupos pobres e carentes, mas a bolsa educativa ficaria com o MEC. Sem esta separação, será difícil exigir frequência à parte dos beneficiados com filhos em idade escolar e não exigir dos demais idosos: portadores de deficiência, mães pobres com filhos abaixo da idade escolar. Uma Bolsa Família comprometida com a educação exige que o MEC deixe de ser o ministério voltado para o ensino superior e escolas técnicas e assuma sua responsabilidade e compromisso com a educação de todas as crianças do Brasil.
A reforma parece manter a visão de que a população brasileira está condenada para sempre a sobreviver graças a auxílios e bolsas; que nunca teremos um país onde os adultos serão capazes de produzir o necessário à sua sobrevivência digna, por seu talento e esforço, adquirido na formação escolar. Quando criada, em 1995, a Bolsa Escola propunha que seria necessária por apenas 11 anos, tempo para uma geração concluir o ensino médio. Já são 28 anos desde então, 22 anos desde a Bolsa Escola Nacional, 19 desde o início da Bolsa Família, e 2 anos de Auxílio Brasil. Mais de ¼ de século depois, o número de pessoas carentes de Bolsa Família aumenta, no lugar de diminuir.
A reforma da semana feita pelo Presidente Lula foi na direção certa de corrigir a “bondade contaminada” que herdou, mas, talvez por isolamento entre quadros do próprio governo, não sinalizou para a “bondade transformadora”, em que os auxílios serão “sementes transformadoras”, para que deixem de ser necessários, salvo como exceção. Não a regra para quase metade da população adulta sobreviver graças a ela, sabendo que seus filhos continuarão nesta dependência por toda vida, por falta de vincular a Bolsa Família à Educação.
Cristovam Buarque foi senador, governador e ministro