Biodiversidade: o debate esquecido (por Marcos Magalhães)
Os países mais ricos do mundo querem obter das nações em desenvolvimento compromissos firmes em defesa do ambiente natural
atualizado
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Um grande país em desenvolvimento se comprometeu, na segunda-feira (11), a levar em conta a preservação da diversidade biológica em seus planos de desenvolvimento de médio e longo prazos para “todas as suas regiões e todos os seus setores”.
Pois é, não foi o Brasil. A promessa foi feita pelo vice premier da China, Han Zheng, em Kumming, na abertura da Conferência das Nações Unidas sobre a Biodiversidade, conhecida como Cop15.
“Vamos formular uma estratégia de proteção da biodiversidade e planos de ação para a nova era”, anunciou Zheng.
Promovida de maneira virtual, após muitos adiamentos por causa da pandemia, a conferência é mais uma tentativa de unir a comunidade internacional no esforço para a preservação de espécies vegetais e animais em todo o planeta.
Estão presentes representantes dos países que assinaram a Convenção sobre Diversidade Biológica, aprovada durante a conferência Rio 92.
Os três principais objetivos da convenção são os de conservação da diversidade biológica, uso sustentável dos componentes dessa diversidade e “justa divisão” dos benefícios decorrentes do uso da diversidade genética.
A convenção já foi ratificada por 195 países, entre os quais não estão os Estados Unidos. As partes se reúnem a cada dois anos, embora desta vez tenha havido um atraso por causa da pandemia. Mas os progressos são lentos.
Segundo cálculos das Nações Unidas, cerca de um milhão de espécies de animais e plantas estão ameaçadas de extinção, especialmente por causa da invasão humana de habitats naturais, além de desmatamentos que precedem a expansão de atividades agropecuárias.
Entre as principais metas em debate está a de garantir, até 2030, a proteção de 30% das terras e dos oceanos. A julgar por resultados anteriores, não será fácil. Dos 20 objetivos aprovados em conferência realizada no Japão em 2010, nenhum foi cumprido até 2020.
Os debates sobre a biodiversidade não recebem a mesma atenção dos promovidos sobre a mudança climática. Não são considerados tão urgentes. Mas são igualmente importantes para o futuro do planeta. E especialmente – por que não dizer? – para o futuro do Brasil.
Megadiverso
O Brasil abriga aproximadamente 20% da diversidade biológica do planeta, principalmente por causa da floresta amazônica. Isso aumenta a pressão internacional para que o país preserve sua natureza. Por outro lado, pode abrir portas inéditas ao seu desenvolvimento.
Os países mais ricos do mundo querem obter das nações em desenvolvimento compromissos firmes em defesa do ambiente natural. A própria China, embora tenha se comprometido a levar o tema em conta em seus planos de desenvolvimento, tem sido bastante criticada.
“Até o momento, Pequim, que acolhe sua primeira grande cúpula ambiental, não se posicionou como ponta de lança da mobilização internacional em favor da biodiversidade”, acusou o jornal francês Le Monde, no dia da abertura da conferência
“Assim como o Brasil, a Índia e a Indonésia, a China não se uniu a nenhuma das grandes coalizões formadas para alcançar certos objetivos de proteção da biodiversidade”.
A pressão é compreensível. Muitas das florestas remanescentes no planeta encontram-se em países em desenvolvimento. E, quando se olha para o planeta como um todo, chega-se facilmente à conclusão de que a crescente perda de espécies coloca a vida em perigo.
Mais de metade da economia mundial está ligada à natureza. Metade da superfície do globo é usada para a produção agropecuária. E aproximadamente três quartos da produção dependem de polinizadores. Ou seja, a humanidade perderia boa parte de seus alimentos sem abelhas e alguns tipos de moscas.
Ainda olhando de cima o planeta como um todo, as florestas ocupam atualmente menos de 10% da superfície total da Terra. Dos quase 150 países onde havia florestas, 82 já as perderam.
Nacionalismo
A mesma lente grande angular indica que a destruição de florestas tropicais – especialmente no Brasil – está ligada à extração ilegal de madeira e à ampliação da fronteira de produção de soja, usada para alimentar porcos do outro lado do planeta, e de carne bovina.
O cenário está pronto, então, para se aumentar a pressão sobre o país. Uma dupla pressão, aliás. Afinal, além da perda de espécies, a destruição de florestas está ligada à mudança climática, que será tema de outra conferência internacional em novembro, na Escócia.
A pressão externa tem motivado o aumento do nacionalismo, à direita e à esquerda. Os produtores de soja começam a se preocupar com a participação dos Verdes no novo governo da Alemanha, que está em negociação. Temem reflexos no comércio com a Europa.
O presidente Jair Bolsonaro reagiu duramente a um post na internet do presidente francês Emmanuel Macron, no qual este considerava os incêndios na Amazônia uma “crise internacional”. Bolsonaro chegou a republicar post de um admirador que comparava a beleza física de sua esposa com a de Macron. “Não humilha, cara kkkk”.
O ex-presidente Luís Inácio Lula da Silva, que pretende ocupar mais uma vez o Palácio do Planalto em substituição a Bolsonaro, reforçou nos últimos dias o discurso contra o líder francês. Pediu que Macron “não fale mais em internacionalizar a Amazônia”.
Muitos militares brasileiros também enxergam nas pressões europeias mal disfarçadas intenções de prejudicar as exportações brasileiras de soja e carne. Ou uma espécie de protecionismo vestido de ambientalismo.
Potencial
É compreensível a defesa da soberania brasileira. Afinal, como argumentam produtores e políticos ligados ao governo, o país preserva suas florestas muito mais do que os seus críticos. E conta com uma legislação avançada de defesa do meio ambiente (embora não tenha sido aplicada como antes a partir da posse de Bolsonaro).
É nítida para o mundo, porém, a opção preferencial do atual governo brasileiro pelos produtores rurais, mesmo que estes desprezem a legislação ambiental. Assim como a opção de reduzir o combate à ação dos grandes responsáveis pelo desmatamento.
O atual governo parece não perceber que a destruição das florestas prejudica de dupla forma a economia nacional. O desmatamento da Amazônia, por exemplo, coloca em risco as chuvas que permitem as colheitas no cerrado brasileiro. E a má imagem internacional produzida pelas queimadas tem levado cadeias europeias de supermercados a evitar produtos brasileiros.
O que muitos brasileiros parecem não enxergar é o potencial econômico da biodiversidade do país. Investimentos intensivos em ciência e tecnologia, acompanhados de estudos sobre conhecimentos de indígenas e povos tradicionais, poderão levar à descoberta de produtos baseados em princípios ativos contidos em plantas e microrganismos das florestas.
Óleos de plantas como buriti, tucumã e pracaxi, por exemplo, já são usados para a produção de protetores solares, loções para o corpo, xampus e condicionadores, segundo anota a bióloga Nurit Bensusan em seu livro Biodiversidade: tesouro real ou maldição tropical? E uma substância contida no açaí poderá ser usada como corante para cirurgia nos olhos.
Os mesmos consumidores internacionais que hoje torcem o nariz para as carnes brasileiras poderão se converter em entusiastas consumidores de produtos derivados da biodiversidade brasileira, em processos sustentáveis de fabricação.
É claro que o Brasil pode e deve defender as exportações de bens agropecuários produzidos segundo as suas leis e sem prejuízo ao meio ambiente. E a transparência dos processos produtivos será o melhor antídoto contra atitudes protecionistas.
As pressões internacionais, porém, devem crescer em ritmo semelhante ao da destruição das florestas. Enquanto isso, é bom que o Brasil preste mais atenção ao enorme potencial ainda escondido em sua pouco conhecida biodiversidade.
Marcos Magalhães escreve no Capital Político. Jornalista especializado em temas globais, com mestrado em Relações Internacionais pela Universidade de Southampton (Inglaterra), apresentou na TV Senado o programa Cidadania Mundo. Iniciou a carreira em 1982, como repórter da revista Veja para a região amazônica. Em Brasília, a partir de 1985, trabalhou nas sucursais de Jornal do Brasil, IstoÉ, Gazeta Mercantil, Manchete e Estado de S. Paulo, antes de ingressar na Comunicação Social do Senado, onde permaneceu até o fim de 2018.