“Besta é Tu”: morte do poeta Luiz Galvão e 2° Turno (por Vitor Hugo)
A morte do poeta e pensador
atualizado
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Os dias tensos de outubro seguem, insondáveis, para as urnas da votação, em segundo e decisivo turno, neste domingo, 30, das eleições gerais . Tempo soturno e explosivo, mas este artigo não é bem sobre os desvarios criminosos do ex-deputado do PTB, Roberto Jefferson, jogando granadas e atirando com fuzil em agentes da PF, em serviço, no Rio de Janeiro, nem sobre o marginal de moto, armado de pistola, que levou perigo e pânico ao comício petista no interior do Rio Grande do Norte, com a presença da governadora Fátima Bezerra. Com emoção, o texto é sobre a morte do poeta e pensador Luiz Galvão, sábado passado, no INCOR, de São Paulo.
Perda para a Bahia e para o País, desfalcados e carentes, no plano da inteligência plural, democrática e livre de amarras. Adeus de um dos criadores e guias – com Moraes Moreira (também falecido) e Paulinho Boca de Cantor – do grupo “Novos Baianos”, que nos anos 70 transformou a MPB e atraiu milhões de jovens, com melodia, som, poesia e pensamento de suas canções; e comportamento livre e ardente, naqueles anos de resistência política e cultural, à repressão e à censura instaladas pela ditadura que então regia o Brasil.
São do poeta maior dos “Novos Baianos” alguns dos versos mais emblemáticos, merecedores de reflexões neste período turvo que atravessamos. Da canção “Besta é Tu”, do álbum Acabou Chorare, um dos maiores sucessos de sempre, do grupo musical: “Besta é tu/ besta é tu. Não viver neste mundo/ Se não há outro mundo/ Não viver neste mundo (por que não viver?)/ Se não há outro mundo (por que não viver?)/ Não viver outro mundo./ Besta é tu, Besta é tu.’, diz o poeta, nascido em Juazeiro, nas barrancas do lado baiano do São Francisco. Conterrâneo de João Gilberto, criador e guia da Bossa Nova. Dois gênios rebeldes, filhos da mesma beira de rio, que tornaram-se amigos graças ao que é considerado “verdadeiro milagre de Dona Patu”, mãe de João, admirad ora do talento de Galvãozinho, por quem tinha afeto maternal.
Em uma das passagens solitárias (quase clandestinas) do filho, por Juazeiro, D. Patu abriu as portas do seu casarão, na Praça da Matriz, para Galvão entrar e conversar com João. Nascia aí uma amizade “de cara” (no dizer do poeta que acaba de partir). Ligação pessoal bem ao estilo dos dois artistas, que atravessaria o mundo, o tempo e suas manias, até a morte de João.
“Ninguém me contou. Eu estava lá. Eu vi”, cito o jornalista Sebastião Neri na apresentação do livro “Rompendo o Cerco”, de Ulysses Guimarães, sobre o episódio dos cães açulados contra Ulysses, em Salvador, na ditadura.Neste caso, de João e Galvão, estava lá na beira do rio, no meu começo de juventude, entre as duas cidades ligadas pela ponte sobre o Velho Chico: Petrolina (PE) (onde eu morava e era aluno do salesiano colégio Dom Bosco) e Juazeiro (BA) para onde eu ia gozar das festas, da boemia, dos shows de Artistas famosos, e da intensa vida intelectual.
Para terminar, mais uns versos da canção do poeta que partiu: … “E pra ter outro mundo, é preci-necessário viver/ Viver contanto em qualquer coisa. /Olha só, olha o sol/ O Maraca domingo./ O perigo na rua./ O brinquedo, o menino. /A morena do Rio”… Besta é tu, besta é Tu. Formidável Luiz Galvão!Adeus! Bom voto a todos neste domingo de fazer história.
Vitor Hugo Soares é jornalista, editor do site blog Bahia em Pauta. E-mail: vitors.h@uol.com.br