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Avançar, não revogar (por Cristovam Buarque)

Hora de propostas cirúrgicas revolucionárias para acabar com a divisão do sistema escolar entre “escolas senzala” e “escolas casa grande”

atualizado

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Em 1889, muitos republicanos denunciaram que a Abolição foi uma reforma tímida, por não dar terra aos ex-escravos, nem escola aos seus filhos; e lamentavam ter sido feita pela monarquia, por um governo do partido conservador. Mas nenhum defendeu a revogação da insuficiente Lei Áurea. Nabuco fez sua defesa enquanto lutava por reforma agrária e educação de base para todos.

Cento e trinta anos depois, o governo de Michel Temer, com o ministro Mendonça Filho, apresenta uma reforma do ensino médio insuficiente. Não vai colocar a educação brasileira entre as melhores do mundo, nem assegura que os filhos dos pobres tenham escola com a qualidade dos filhos dos ricos; e nem mobiliza os recursos necessários para que, mesmo tímida, a reforma seja executada. Mesmo assim, a reforma do ensino médio representa um avanço: sinaliza ampliação de escolas com horário integral, adoção da necessidade de formação profissionalizante, e traz liberdade para que os alunos possam escolher o que desejam estudar. Mas, desta vez, no lugar de defenderem os avanços desta reforma insuficiente e de lutarem por mais avanços e recursos para executá-la, alguns educadores defendem sua revogação.

Quem tem compromisso com a educação de qualidade para todos não deve pedir sua revogação, mas sua ampliação. Denunciar sua insuficiência, mas, no lugar de poucas, defender que todas as escolas sejam em horário integral; no lugar de apenas alguns itinerários de disciplinas, defender que os alunos tenham a máxima liberdade para escolha das disciplinas, conforme suas vocações e talentos preferem; no lugar de alguma ampliação de cursos profissionalizantes, avançar para que o ensino médio seja em quatro anos, e permita a plena “alfabetização para a contemporaneidade”, o que implica todo aluno concluir o curso com o conhecimento necessário para exercer um ofício profissional; no lugar de uma reforma que deixa a responsabilidade de execução para os municípios, propor nacionalizar a educação das crianças, colocando-a sob responsabilidade do governo federal, com um ministério específico para a Educação de Base. Só assim vamos sair das reformas insuficientes e colocar a educação brasileira entre as melhores do mundo e quebrar a divisão entre “escolas senzala” para os pobres e “escolas casa grande” para os ricos.

O que está mal na reforma do ensino médio de 2017 não é ter sido feita por Temer, mas não ter sido feita pelos governos anteriores; não é o que ela contém, mas o que ela não ousou conter.

Será uma pena e uma tragédia se o governo progressista do Lula, no lugar de radicalizar apresentando sua reforma ampla para a educação de base, ficar na história como o revogador de modesta reforma para o ensino médio, apenas porque ela foi feita pelo governo Temer e porque patotas ideológicas conservadoras se opõem a ela, seja por interesses corporativos ou por não terem proposto antes uma reforma radical para dar qualidade e equidade à educação de base.

Ainda bem que os primeiros governos republicanos não revogaram a Lei Áurea, apesar de sua insuficiência e de ter sido um dos últimos atos do Império. Se tivessem revogado, a escravidão continuaria até hoje, enquanto progressistas brancos ficariam discutindo que modestas medidas propor para mitigar o sofrimento dos escravos, sem libertá-los de fato; como até hoje os seus filhos estão ainda escravizados por não receberem a educação que necessitam para enfrentar o mundo contemporâneo; enquanto corporações sindicais e blocos de concepções pedagógicas se digladiam entre si, alheios aos verdadeiros donos da educação: nossas crianças e o futuro do Brasil. O papel dos educacionistas não é revogar propostas homeopáticas, mas apresentar propostas cirúrgicas revolucionárias para acabar com a divisão do sistema escolar entre “escolas senzala” e “escolas casa grande”. A reforma de 2017 é um passo minúsculo, mas na direção certa, revogá-la é um passo atrás, retrógrado, reacionário.

Cristovam Buarque foi senador, ministro e governador

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