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Atualização das crises (por Gaudêncio Torquato)

Onde irá bater a CPI da Covid? E a culpa pela má previsão da crise energética? Haverá penalidade ao presidente Bolsonaro?

atualizado

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Emergência
1 de 1 Emergência - Foto: Jacqueline Lisboa/Especial Metrópoles

A pele já não sente os beliscões. Ganhou camadas impermeáveis de insensibilidade e não reage aos impactos externos. Crise sanitária era uma gripezinha. Hoje, são quase 600 mil mortos. Crise política? Ah, essa vem de lá dos corredores do início da República. Crise econômica? Todos sabem como é, mas ninguém se responsabiliza. Crise energética? O ministro Bento Albuquerque garante: não haverá apagão. O vice-presidente da República, Hamilton Mourão, refuta: é possível que tenhamos.

E, assim, de enrolação a enrolação, o Brasil vai engrossando suas crises que, de tão banais, viram coisas comuns. Roberto Campos apontava dois traços característicos de países em desenvolvimento: a ambivalência e o escapismo. É ambivalência querer equacionar o descontrole dos gestores da coisa pública sem controlar os controladores. E é escapismo argumentar que os confrontos de guerras urbanas, frequentes nas grandes cidades, ocorrem porque o poder do crime é maior que o poder de um Estado, cuja leniência torna-se cada vez mais patente ante a escalada de violência que se abate sobre a sociedade.

Cada qual organiza a concepção e a ordem das ações a serem desenvolvidas, e as áreas jurídicas e contábeis que ajustem as contas. Dessa forma, orçamentos são engolidos em projetos feitos sob pressão de grupos e em programas superficiais. Se a gestão tem sabor político, é natural que os dirigentes concentrem as decisões sem perder a força.

O nosso presidencialismo de coalizão ampara-se em amplas alianças. Entenda-se que a política deixou de ser missão e se tornou profissão. Logo, pôr a mão na res publica passou a ser grande negócio. Abre-se uma crise de governança e não de governabilidade. O sistema político, a forma de governo e as relações entre os Poderes, mesmo operando em um complexo desenho institucional como o nosso – federalismo, presidencialismo, bicameralismo, representação proporcional, voto majoritário, pluripartidarismo – não chegam a ameaçar a democracia. Qual é a alternativa? Arrumar a gestão. Haverá sempre um jeitinho de contornar as situações.

Querem apostar? Onde irá bater a CPI da Covid? E a culpa pela má previsão da crise energética? Haverá penalidade ao presidente Bolsonaro ou alguns de seus ministros por ausência de boa gestão? Veremos uma fila de autoridades no caminho das prisões? Ou ficará evidente a máxima de Anacaris, um dos sete sábios da Grécia? “As leis são como as teias de aranha, os pequenos insetos prendem-se nelas e os grandes rasgam-nas sem custo.” Tem havido algum ganho no campo da moral com tanta denúncia? É possível.

A ladroagem é embalada por tecnologia de alta sofisticação, diferente dos costumes da Primeira República. Naquele tempo, o lema da prefeitada era: “Aos amigos, pão; aos inimigos, pau”.

A tarefa de impedir que a teia de aranha seja rasgada pelos grandes exige mais transparência de todas as estruturas públicas. Seria útil que as comunidades acompanhassem de perto o fluxo das obras municipais. Mas o propagandismo pode acabar se tornando outra praga.

 

Gaudêncio Torquato é escritor, jornalista, professor titular da USP e consultor político

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