Assange está preso há 12 anos. Já chega (Por Bárbara Reis)
Uma newsletter sobre o outro lado do jornalismo e dos media
atualizado
Compartilhar notícia
Nunca simpatizei com Julian Assange. Não gosto do estilo, das ideias e dos métodos.
Sobre o estilo: não gosto da sobranceria e do auto-deslumbramento. Por alguma razão, quando tinha 16 anos e começou a ser hacker, Assange escolheu para pseudónimo o nome Mendax, inspirado em Horácio, o poeta e filósofo da Roma Antiga conhecido como splendide mendax – esplêndido mentiroso. Também não gosto da sua falsa neutralidade, nem do tom de utopia anarca.
Sobre as ideias: não gosto da sua definição de transparência. Para Assange, ser transparente, em política e na diplomacia, é mostrar tudo, literalmente tudo, como se fosse possível que os segredos deixassem de existir e como se o que se faz à porta fechada e de forma confidencial fosse sempre mau – pelo contrário, às vezes é o que evita problemas e constrói soluções.
Sobre os métodos: a lógica do “tudo à bruta” em nome da democracia é panfletária e viola direitos que não há nas ditaduras e que são protegidos pelas democracias.
Porque é que a WikiLeaks não tapou nenhuma informação sensível nos 44 mil e-mails roubados dos servidores do comité nacional do Partido Democrata norte-americano que divulgou em 2016, na véspera da convenção nacional do partido? Ao divulgar tudo, tornou público dados privados de apoiantes do partido, entre os quais os números dos cartões de crédito e da Segurança Social. Do mesmo modo que a WikiLeaks não tapou nomes de informadores dos serviços secretos dos EUA, pondo pessoas em risco de vida – embora não se conheçam vítimas.
Porque é que a WikiLeaks nunca divulgou nada sobre a Rússia? Porque Assange, que teve um programa televisão “Russia Today”, financiado pelo Kremlin, gosta do regime de Vladimir Putin? Só há maus no Ocidente?
Porque é que o financiamento da WikiLeaks é pouco transparente?
Alguém ficou convencido das razões dadas pela WikiLeaks para, no Verão de 2016, recusar a publicação de um imenso conjunto de documentos – pelo menos 68 gigabytes de dados – do Ministério do Interior russo, segundo os registos de conversas analisados pela revista Foreign Policy?
Também não gosto da ambiguidade de quem se define como “activista e jornalista”. Os jornalistas podem ter causas, claro, mas se é raro isso correr bem, mais raro é quando a ambivalência toma proporções com impacto mundial.
Dito isto, os papéis que Assange tornou públicos revelaram violações de direitos humanos gravíssimas. E isso é útil e tem interesse público. Fez mais bem do que mal? Provavelmente sim, mas não é isso que agora importa.
Há 12 anos que Assange não tem liberdade. Está acusado de 18 crimes com base na lei americana de espionagem. Se for extraditado para os EUA, corre o risco de prisão perpétua – 175 anos de prisão. É evidente a desproporção quando olhamos para o castigo imposto a Chelsea Manning, o soldado norte-americano (hoje uma mulher) que roubou a informação e a deu à WikiLeaks. Manning foi condenada a 35 anos de prisão, recebeu um indulto do então Presidente Barack Obama, cumpriu sete anos e está em liberdade há outros sete No dia da libertação, a Amnistia Internacional fez uma festa e disse que continuará “a exigir uma investigação independente às possíveis violações dos direitos humanos” que Manning expôs e continuará a lutar “para garantir que os informadores como Chelsea nunca mais sejam submetidos a um tratamento tão horrível”.
Esta semana, Assange teve a primeira boa notícia em anos: o Supremo Tribunal de Londres decidiu que vai poder ter uma audiência de recurso para batalhar contra a extradição para os EUA.
Dito isto, “enough is enough”. Já chega. Cito o primeiro-ministro Anthony Albanese, da Austrália – Assange é australiano. Mas também cito Alan Rusbridger, durante anos director do diário britânico The Guardian, que este domingo escreveu na CNN Internacional um artigo a dizer o mesmo – já chega. E cito muitos outros. Passaram 12 anos. Assange já foi castigado.
(Transcrito do PÚBLICO)