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As reformas necessárias (por José Sarney)

Parte da obra de José Bonifácio talvez valha mais que todos os outros tratados políticos do Brasil juntos

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Bandeira gigante do Brasil aparece tremulando na frente do Palácio do Planalto - Metrópoles
1 de 1 Bandeira gigante do Brasil aparece tremulando na frente do Palácio do Planalto - Metrópoles - Foto: Rafaela Felicciano/Metrópoles

Quem examina o bicentenário do Parlamento encontra uma figura onipresente, maior que os acontecimentos, a quem não se dá o valor devido e que, embora seja frequentemente mencionado, não é ouvido. Falo de José Bonifácio de Andrada e Silva.

A obra de José Bonifácio, muito fragmentada, talvez seja em parte responsável por isso. Cientista, grande parte de seus papéis tratam de ciências e aplicação de ciências; outro tanto são documentos oficiais, marcados pelos limites do fato — sua outra face era ser essencialmente um homem de ação. Mas uma parcela dessa obra, aquela em que revelou o cerne de seu pensamento, talvez valha mais que todos os outros tratados políticos do Brasil juntos.

Joaquim Nabuco pensava que o ostracismo do Patriarca possivelmente se devia aos escravocratas. Iniciemos, pois, pela defesa dos negros. Diz ele na representação sobre a escravatura que fez à Assembleia Constituinte: “Comecemos […] pela expiação de nossos crimes e pecados velhos. Sim, não se trata somente de sermos justos, mas também de sermos penitentes; devemos mostrar […] que nos arrependemos, […] que cessem de uma vez todas essas mortes e martírios sem conta, […] que acabemos com um tráfico tão bárbaro e carniceiro; é tempo também que vamos acabando gradualmente até os últimos vestígios da escravidão entre nós […], sem o que nunca seremos verdadeiramente livres, respeitáveis e felizes.”

Enquanto não se completa a emancipação, propõe a primeira licença maternidade, a primeira caixa econômica, a limitação de horas de trabalho e do trabalho infantil… Já antes propusera que todas as terras dadas em sesmarias e não cultivadas fossem expropriadas — e que, do acervo de terras, fossem destinadas aos “europeus pobres, índios, mulatos e negros forros” sesmarias para cultivar e se estabelecer. Pede: “dai-lhe maior instrução”.

Seu pleito pela reforma agrária — todos receberiam ou ficariam limitados a 400 jeiras (80 ha) — se combina com a de uma ocupação ordenada do território: “que de três em três léguas se deixe pelo menos uma légua intacta, para se criarem novas Vilas e Povoações”. E com estas a conservação da natureza: que “deixem para matos e arvoredos a 6ª parte do terreno, que nunca poderá ser derrubada e queimada sem que se façam novas plantações de bosques”. “Destruir matos virgens […] sem causa, como até agora se tem praticado no Brasil, extravagância é insofrível, crime horrendo, e grande insulto feito à mesma natureza.”

Para os povos originários — afastados pelos cativeiros, pelo desprezo com que eram tratados etc. — propunha dar justiça, “não esbulhando mais os Índios das terras que ainda lhes restam e de que são legítimos senhores”, dar brandura, “que nos cumpre como usurpadores”, levar vacinação, educação.

Esta, a educação, é uma obsessão, presente em todas as suas propostas: escolas primárias, ginásios, academias agrícolas, universidades. “A instrução será obrigatória e gratuita.” E o que pensava como primeiro antecessor de Rio Branco? O Almirante Roussin escreveu que “o objeto de suas especulações políticas é a formação de uma confederação de todos os Estados livres da América”. Manda o enviado ao Prata expor a Argentina, Uruguai e Paraguai “as utilidades incalculáveis que podem resultar de fazerem uma confederação” com o Brasil.

Que mais? Todos esses desafios continuam inconclusos. Estas são as reformas necessárias, há duzentos anos necessárias.

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