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As quatro linhas malditas da Constituição Brasileira (Por Juan Arias)

Em nenhum momento a Carta Magna admite ou defende que os militares possam ser um “poder moderador”

atualizado

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Senado Federal/ Reprodução
Capa da Constituição Federal de 1988 - Metrópoles
1 de 1 Capa da Constituição Federal de 1988 - Metrópoles - Foto: Senado Federal/ Reprodução

Há na Constituição do Brasil, aprovada após os governos da ditadura de 64, um parágrafo referente aos militares que o golpe de extrema direita, presidido pelo ex-presidente Jair Bolsonaro , batizou como “as quatro linhas da Constituição”, e com o qual ele passou seus quatro anos no governo ameaçando colocá-lo em ação.

Na verdade, trata-se mais de uma falsa interpretação da Constituição que o bolsonarismo tem sabido usar para intimidar a esquerda e que continuará a fazê-lo se o atual governo de Lula da Silva não aproveitar para desmascarar ditas errôneas e interpretação golpista que permitiriam ao Exército intervir nas instituições estatais.

As chamadas quatro linhas da Constituição, na verdade, tinham, ao contrário, a intenção de delimitar os poderes das Forças Armadas que deveriam estar a serviço de instituições do Estado sem poderes próprios de intervenção na política.

Trata-se do artigo 42 do texto constitucional que estabelece os direitos e deveres do Exército. Naquele pequeno parágrafo com o qual Bolsonaro ameaçava a democracia até o fim, está dito que os militares, “sob a autoridade suprema do Presidente da República”, devem “garantir a defesa da pátria e os deveres constitucionais”. Em nenhum momento a Constituição admite ou defende que os militares possam ser um “poder moderador”, algo que a extrema direita de Bolsonaro tem insistido em defender em todas as manifestações golpistas.

Para evitar que no futuro essas quatro linhas da Constituição continuem sendo instrumentalizadas pela extrema direita, que sonha com a volta dos militares ao poder, o Partido dos Trabalhadores (PT), por meio do deputado Carlos Zarattini (SP), apresentou ao Congresso uma emenda à Constituição para acabar com as dúvidas sobre o papel dado aos militares em um regime democrático como o brasileiro.

“Queremos mudar isso na Constituição para evitar interpretações errôneas. As Forças Armadas não são um poder sobre os outros e, por exemplo, não podem interferir no poder do Supremo Tribunal Federal ou do Parlamento, como afirmou, ainda que sem sucesso, o ex-presidente Bolsonaro e seu mais forte golpe de Estado durante seus quatro anos de governo”, diz Zaratini.

O delicado problema de retificar o texto constitucional sobre o poder das Forças Armadas não será fácil para o novo governo Lula, pois são conhecidas as ressalvas que os militares sempre fizeram a governos de esquerda.

Para conseguir mudar as já nomeadas quatro linhas da Constituição de 1988, o governo precisaria de maioria absoluta no Parlamento e no Senado, hoje dominados por votos bolsonaristas que dificilmente aceitariam tal emenda por temer que significasse perda de poder pelas Forças Armadas.

Os autores do atual texto constitucional ainda vivos confirmam, porém, que essas quatro linhas da Constituição não só não pretendiam transformar os militares em moderadores dos poderes do Estado, mas, ao contrário, tratava-se de limitar seu poder.

O fato de a redação do referido artigo ter conseguido permitir, ainda que intrincadamente, o extremo direito de outorgar poderes ao Exército que ele não possui, deve-se a que o Brasil, no momento em que saía de uma dura e longa ditadura militar, precisou refinar suas palavras em relação à finalidade institucional das Forças Armadas como auxiliares do poder político, e nunca mais como um poder próprio capaz de intervir nos poderes constitucionais, sustentáculo da nova democracia.

Caso não tenha ficado claro, em parecer emitido em 4 de junho de 2020, a Secretaria-Geral da Câmara dos Deputados esclareceu que o artigo 42 da Constituição das Forças Armadas não autoriza uma intervenção militar sob o pretexto de “restaurar a ordem “. Segundo o parecer: “Não há país democrático no mundo em que a lei tenha deixado às Forças Armadas a função de mediar os conflitos entre os Poderes constitucionais ou dar a última palavra sobre o sentido do texto constitucional.”

Como o ex-presidente Bolsonaro ameaçava pedir ao Exército, em nome da Constituição, que atuasse contra as decisões do Congresso ou do Supremo Tribunal Federal, agora é ainda mais urgente que o novo governo democrático aproveite a oportunidade de mudar o referido parágrafo polêmico da Constituição para não dar mais desculpas à extrema-direita golpista que, com ou sem Bolsonaro, ainda estará viva no Brasil, para tentar qualquer tipo de intervenção militar.

O novo governo Lula, além de tentar resolver a grave crise econômica que o Brasil vive e que martiriza milhões de trabalhadores que não conseguem terminar o mês ou alimentar seus filhos com dignidade, vai precisar entender para sempre que as Forças Armadas não têm espaço na Constituição para tentar ser árbitros e controladores do estado e do poder político.

Para isso, Lula precisará, como já começou a fazer, “desmilitarizar” as instituições estatais nas quais o bolsonarismo havia colocado colossais mais de 6.000 militares carregados de privilégios e que só a contragosto começam a deixar o governo e o resto das fazendas do estado.

Lula e seu governo terão que fazer tudo isso com muito tato e diplomacia para que não pareça um castigo ou uma vingança da esquerda contra o Exército, que nunca foi tão mimado ou teve tanta influência no Estado como durante a administração de Bolsonaro.

(Transcrito de El País)

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