As prévias da Hungria têm algo a dizer ao Brasil (por Marcos Magalhães)
Seis partidos de oposição se unem para derrotar o ultranacionalista Viktor Orbán e defender a democracia
atualizado
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O debate de hoje entre três pré-candidatos do PSDB à Presidência da República, no Rio de Janeiro, marca o início de uma longa corrida de obstáculos que terminará em outubro de 2022. Arthur Virgílio, Eduardo Leite e João Dória disputam o apoio do partido para enfrentar nas urnas o presidente Jair Bolsonaro.
Dois dias antes, na Europa Central, um movimento semelhante – mas do conjunto da oposição – indicou Peter Marki-Zay para concorrer nas próximas eleições, previstas para 2022, com o atual primeiro-ministro da Hungria, o ultraconservador e ultranacionalista Viktor Orbán.
As duas prévias ocorrem em países de sistemas políticos bastante diferentes. Mas uma análise comparada dos dois processos pode ajudar a esclarecer algumas das características mais desafiadoras do momento político, tanto nacional quanto internacional.
Para ser bem realista, é bom apontar desde logo as diferenças. O Brasil é uma república presidencialista, que escolhe o chefe do Poder Executivo a cada quatro anos em eleições de dois turnos. Depois de eleito, o presidente vai buscar apoio no Congresso Nacional.
A Hungria também tem um presidente, escolhido a cada cinco anos pela Assembleia Nacional. Mas quem manda mesmo é o primeiro-ministro, indicado pela mesma Assembleia. Ou seja, não há um segundo turno para filtrar a disputa que realmente interessa.
A outra grande diferença é que o atual presidente brasileiro está no cargo há menos de três anos e indica disposição para tentar novo mandato. E o líder húngaro, no poder desde 2010, pretende renovar o seu já longo governo, ao garantir maioria na futura Assembleia.
Espelho
Dito isso, as feições políticas de Orbán são como as que Bolsonaro gostaria de identificar em si mesmo ao se olhar no espelho. Líder autoritário, nacionalista e chefe de um governo considerado iliberal que adotou uma agenda a favor da família tradicional. Por consequência, contra imigrantes, refugiados e novos modelos de família.
Bolsonaro e Orbán têm um problema em comum: as relações com a União Europeia, da qual a Hungria faz parte. O primeiro principalmente por causa da questão do meio ambiente. O segundo, por sua agenda de costumes – por sinal, muito próxima à de seu colega brasileiro.
Em junho, ao chegar a uma reunião de cúpula em Bruxelas, Orbán teve de enfrentar críticas de 17 países europeus a uma nova lei contra a homossexualidade aprovada em seu país. A lei proíbe a menção à homossexualidade nas escolas e impede o acesso por menores de 18 anos a conteúdos audiovisuais relativos à questão.
Ao deixar o cargo de presidente da Comissão de Relações Exteriores da Câmara, em março, o deputado Eduardo Bolsonaro elogiou Orbán e disse que seu governo era “referência” para a administração de seu pai.
O próprio Bolsonaro recebeu em seu gabinete, em outubro de 2019, o ministro dos Negócios Estrangeiros e do Comércio Exterior da Hungria, Péter Szijjártó. Foi um dos raros encontros internacionais ocorridos em Brasília no seu primeiro ano de mandato.
Os dois governos divulgaram na ocasião nota conjunta sobre ação conjunta contra o que identificam como perseguição a cristãos em várias partes do mundo. “Brasil e Hungria estão na vanguarda dessa importante questão internacional de direitos humanos”, anunciaram.
A declaração conjunta ocorreu cinco dias antes de Orbán ser derrotado pela primeira vez, pelo menos em nível municipal. Uma inédita e ampla coalizão de oposição, que uniu partidos de esquerda à extrema direita, garantiu a eleição do cientista político de centro-esquerda e ambientalista Gergely Karácsony, de 44 anos, para a prefeitura de Budapeste.
Aliança
O primeiro-ministro enfrentará agora nas urnas uma ameaça em nível nacional. Escolhido pelas prévias no domingo (17), Marki-Zay tem 49 anos e se tornou conhecido ao se eleger, há três anos, prefeito de Hódmezöváráshely, uma pequena cidade até então dominada pelo Fidesz, partido ultraconservador de Orbán.
As prévias na Hungria envolveram seis partidos de oposição, que optaram por escolher em conjunto aquele que mais teria chances de derrotar nas urnas o atual primeiro-ministro. Logo após o anúncio de sua vitória, com 58% dos votos, ele recebeu o apoio da segunda colocada, a candidata de esquerda Klara Dobrev.
“Queremos uma Hungria nova, mais limpa e honesta, e não apenas substituir Orbán ou seu partido”, disse Marki-Zay após concluída a apuração dos votos.
Se o novo prefeito de Budapeste vem de origem progressista, o candidato das oposições para o futuro governo da Hungria é conservador. Católico, ele tem sete filhos e é formado em economia, marketing e engenharia. Vai precisar de muitas habilidades para ganhar as eleições. Uma vantagem, porém, ele já tem: o respaldo dos demais partidos de oposição.
No Brasil, as prévias ainda são uma novidade. E, por aqui, elas serão promovidas por apenas um partido – entre tantos outros que se colocarão em oposição a Bolsonaro em 2022.
É verdade que o PSDB teve papel de destaque em várias campanhas presidenciais desde a redemocratização do país, especialmente nas duas eleições de Fernando Henrique Cardoso. Mas também é verdade que o partido vai ter de suar a camisa para estar no segundo turno.
Ainda é cedo para apostar nos dois nomes que estarão nas urnas eletrônicas dentro de pouco mais de um ano. Até o momento, porém, tudo indica que Bolsonaro terá a companhia do ex-presidente Luís Inácio Lula da Silva.
O primeiro turno funcionará um pouco, no Brasil, como funcionaram as prévias das oposições na Hungria. Ou seja, dali sairá o nome que vai à disputa, em 2022, provavelmente contra o presidente que tem em Orbán uma espécie de modelo – ao lado de Donald Trump, claro.
A desvantagem, no caso das oposições brasileiras, pode ser a falta de consenso na reta final das eleições. Na Hungria, a pré-candidata de esquerda anunciou seu apoio ao conservador Marki-Zay logo após os resultados das prévias.
No Brasil, Dória, Leite e Virgílio ainda disputam o apoio de seu partido para disputar as eleições e, quem sabe, conseguir uma vaga no segundo turno. Não vai ser fácil. Assim como é bem incerto o apoio mútuo entre partidos de oposição contra o presidente em busca de reeleição.
Marki-Zay não terá vida fácil nas eleições da Hungria. Mas pelo menos ele já se apresenta como um nome de consenso das oposições contra o primeiro-ministro de ultradireita que deseja permanecer no poder. Um bom ponto de partida.
Marcos Magalhães escreve no Capital Político. Jornalista especializado em temas globais, com mestrado em Relações Internacionais pela Universidade de Southampton (Inglaterra), apresentou na TV Senado .