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As novas cores de Berlim (por Marcos Magalhães)

A aposta mais frequente é uma coalizão entre o SPD, o FDP e os verdes. A coalizão semáforo

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1 de 1 berlim - Foto: Reprodução

O vermelho, o amarelo e o verde estão juntos em sinais de trânsito espalhados pelos quatro cantos do mundo, mas poderão estar igualmente unidos, e pela primeira vez, na sede do novo governo da Alemanha, que será formado nas próximas semanas.

O vermelho estaria representado pelos sociais-democratas do antigo SPD, que participaram como sócios minoritários do governo da democrata-cristã Angela Merkel. Olaf Scholz, ministro de Finanças de Merkel, poderá ser o novo chanceler.

O amarelo é a cor dos liberais, que já se aliaram antes a governos do SPD e da coalizão democrata-cristã CDU-CSU. E o verde, bem, já está no nome da terceira maior força política atual do país, em que a mudança climática esteve entre os principais temas da campanha eleitoral.

Após 16 anos de governo democrata-cristão, os eleitores alemães parecem haver enviado uma mensagem a Angela Merkel. “Muito obrigado pela estabilidade que você nos deu, Angela”, diz a mensagem. “Mas agora nós precisamos de um pouco de mudança.”

Apenas um pouco, natürlich. Estamos falando de uma Alemanha pós-guerra que não tem apreço especial por solavancos políticos. Mesmo assim, o país deu uma sutil guinada à esquerda. E, se as negociações para a formação do novo governo forem bem-sucedidas, Scholz será, ao mesmo tempo, um representante da mudança e da continuidade.

Nas eleições do domingo (26/9), o SPD obteve 25,7% dos votos. A coalizão CDU-CSU chegou perto, com 24,1%, e ainda tem esperanças de liderar o futuro governo. Os verdes conseguiram 14,8%, enquanto os liberais do FDP obtiveram 11,5%.

As negociações para a formação do novo governo podem levar semanas. Mas a aposta mais frequente é a uma coalizão entre o SPD, o FDP e os verdes. A coalizão semáforo. Juntos, os três contariam com 416 das 735 cadeiras do gigante Bundestag. Funcionará?

Futuro

Tudo vai depender da habilidade das três forças políticas em uma negociação sobre como enfrentar os principais desafios à frente do país neste início do século 21. Fácil não vai ser. Os sociais-democratas e os liberais poderão divergir sobre a dimensão dos gastos públicos. Os verdes, por sua vez, vão pressionar por uma poderosa agenda ambiental.

Um dado curioso sobre as eleições está relacionado ao comportamento dos jovens. Segundo levantamento da emissora de televisão ARD, 23% dos que votaram pela primeira vez escolheram os verdes, e outros 23% optaram pelos liberais.

Por sua vez, mais de dois terços dos eleitores com mais de 70 anos votaram nos sociais-democratas ou nos democratas-cristãos. Ou seja, os partidos tradicionais parecem ter perdido parte de seu charme junto às novas gerações.

Os eleitores mais velhos se acostumaram a um período histórico em que a Alemanha se desenvolveu rapidamente para se tornar a quarta maior economia do mundo. Uma grande exportadora de bens sofisticados, como os automóveis, mas ainda dependente de fontes de energia, como o carvão – hoje apontado como um dos grandes vilões do aquecimento global.

A realidade global, no entanto, está mudando. E, embora os alemães ainda sejam muito bons na fabricação de carros que são verdadeiros objetos de desejo em todo o mundo, eles sabem também que há grandes desafios à frente, como a digitalização, a redução das desigualdades e a construção de um modelo econômico mais sustentável.

Talvez por isso os jovens estejam em busca de novas alternativas. A internet, por exemplo, ainda precisa melhorar bastante. E a utilização crescente de fontes renováveis vai exigir a construção de grandes redes de distribuição de energia, a partir do Norte (onde se concentram as usinas eólicas, por exemplo) e do Sul do país.

As usinas eólicas já respondem por 27% do consumo de energia elétrica na Alemanha, embora a expansão do sistema nos últimos anos tenha sido lenta.

Exterior

Como os desafios internos parecem consideráveis, para que a Alemanha mantenha sua posição de destaque na economia global, os temas internacionais ocuparam não mais do que 15 ou 20 minutos dos debates pela TV entre os principais candidatos a chefiar o novo governo.

Esses debates, porém, foram acompanhados de perto por dirigentes de países que podem ser bastante afetados por escolhas políticas alemãs no futuro próximo. Até aqui, os alemães têm sido acusados de agir com demasiada discrição no cenário internacional e de optar por excessiva austeridade em relação aos gastos da União Europeia.

Sobre a gestão econômica europeia, países do sul da Europa esperam que um possível governo chefiado pelos sociais-democratas seja mais generoso que a austera administração Merkel. Mas a aposta pode ser tão precipitada quanto a de maior envolvimento de Berlim em temas estratégicos.

Scholz deu uma pista de suas futuras opções geopolíticas ao, indiretamente, afastar a possibilidade de uma coalizão com o partido de esquerda Die Linke, uma espécie de sobrevivente da antiga Alemanha Oriental. Ele disse que só teria, em seu governo, partidos dispostos a manter a participação da Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan).

O possível chefe do novo governo, porém, vai precisar conversar muito sobre o tema com o presidente francês Emmanuel Macron, que anda ressabiado com os americanos depois do anúncio de uma aliança militar dos Estados Unidos com o Reino Unido e a Austrália, a Aukus.

A aliança permitirá o fornecimento de submarinos nucleares dos Estados Unidos à Austrália. E levará ao consequente cancelamento do contrato firmado pelos australianos com o governo da França para o fornecimento de submarinos convencionais, o que naturalmente desagradou a Paris.

Por trás de tudo isso, está a competição estratégica entre os Estados Unidos e a China. Os submarinos nucleares darão maior raio de ação aos aliados americanos na região do Indo-Pacífico. A Europa vai ter que se posicionar diante dessa competição. Se a França pretende adotar uma posição mais assertiva, ainda é difícil prever o que fará um novo governo alemão.

Verdes

Aqui do outro lado do Atlântico, porém, já existe certeza da nova posição de Berlim em relação a outro tema: o meio ambiente. Isto porque, seja qual for o resultado das negociações políticas das próximas semanas, dificilmente os verdes estarão longe do futuro governo.

As enchentes ocorridas no verão europeu em diversas cidades alemãs reforçaram, junto ao eleitorado, a preocupação – que já era grande – com a mudança climática. Essa parece ser quase uma unanimidade nacional neste começo de século.

E, goste-se disso ou não, a preocupação com o clima está diretamente ligada, na avaliação do eleitorado alemão, à questão da preservação da Floresta Amazônica. Por isso, o Brasil deverá estar preparado para uma crescente pressão de Berlim pelo combate a queimadas e a desmatamentos ilegais.

Os verdes provavelmente se unirão ao presidente francês Emmanuel Macron na oposição à assinatura definitiva do acordo de comércio entre a União Europeia e o Mercosul, enquanto o Brasil não tomar as providências que ambos vierem a considerar necessárias para a proteção da Amazônia. Ou seja, o acordo deverá subir um pouco mais alto no telhado.

Quando visto do Brasil, o verde será a cor mais reluzente da possível nova coalizão de governo em Berlim. O vermelho dos sociais-democratas, ainda que sem o brilho das grandes vitórias, poderá ser bem observado em diversas outras partes do mundo.

Afinal, depois da onda avassaladora de direita nos últimos anos, a possível liderança de um novo governo alemão pelo velho SPD pode indicar mais um passo em direção ao renascimento da esquerda democrática na Europa.

 

Marcos Magalhães escreve no Capital Político. Jornalista especializado em temas globais, com mestrado em Relações Internacionais pela Universidade de Southampton (Inglaterra), apresentou na TV Senado o programa Cidadania Mundo. Iniciou a carreira em 1982, como repórter da revista Veja para a região amazônica. Em Brasília, a partir de 1985, trabalhou nas sucursais de Jornal do Brasil, IstoÉ, Gazeta Mercantil, Manchete e Estado de S.Paulo, antes de ingressar na Comunicação Social do Senado, onde permaneceu até o fim de 2018.

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