As necessidades e os desejos (por Eduardo Fernandez Silva)
Retomar a busca pelo atendimento das necessidades, e não dos desejos criados, é desafiador, necessário e urgente
atualizado
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Por óbvio, necessidade é diferente de desejo. Durante 99,99% da história humana, buscou-se basicamente satisfazer as necessidades, ainda que, em diferentes momentos, a nobreza e o clero buscassem se diferenciar dos demais, e os generais tenham substituído o objetivo de proteger a população pelo de conquistar novos espaços.
Tão importante era a busca pela satisfação das necessidades que surgiu um corpo de pensamento, a Economia, dedicado a analisar a escassez com vistas à superá-la. Na busca, o engenho humano encontrou maneiras de atender às necessidades de todos e todas. Então, o que seria solução se tornou um problema: com as necessidades atendidas, as vendas apenas cresceriam, fora a reposição dos itens desgastados, conforme o aumento da população, que até o século XX sempre foi menor que 1% ao ano.
Como fazer as vendas crescerem além do atendimento das necessidades? Essa uma das grandes questões enfrentadas por alguns ramos da Economia, já no século passado. Solução: criar necessidades e abreviar a duração dos produtos. Bingo!!!
O crescimento das vendas foi explosivo, a tal ponto que rompeu os limites planetários ao gerar tanto lixo, C02, plásticos, extinção de espécies sem conta, degradação de rios, mares e solos, embora 80% dos humanos, ainda hoje, sobrevivam com menos de US$10,00/dia! Vale dizer, sem suas necessidades atendidas! Tudo isso para que as vendas, e com elas o PIB e os lucros, cresçam! Processo que coloca em risco a sobrevivência da humanidade.
A criação de necessidades utilizou os aportes de Freud ao conhecimento da mente humana. Seu sobrinho, Edward Bernays, aplicou os ensinamentos do tio sobre as motivações humanas para alcançar diversos objetivos em termos de mobilização de massa: romper o tabu que impedia as mulheres de fumar, transformar o isolacionismo da população norte-americana em apoio à entrada do país na primeira guerra mundial, ensinar os lobbies industriais a substituírem o atendimento das necessidades pela criação, e atendimento, de desejos…
Nesse processo, os “cidadãos” ou “trabalhadores” foram substituídos por “consumidores”, e não mais se carece de um instrumento de locomoção, mas deseja-se uma máquina que revele (suposta) potência sexual; não mais uma maneira (tóxica!) de se refrescar, mas alcançar a felicidade ao tomar um refrigerante; não mais uma vestimenta confortável que proteja, mas uma exibição de “distinção”; não mais um instrumento para marcar as horas, mas para exibir riqueza! E enquanto isso, 80% da população continua sem poder atender suas necessidades, e as condições de sobrevivência da espécie humana no planeta se esvaem!
A continuidade desse processo não nos levará a bom porto. Retomar a busca pelo atendimento das necessidades, e não dos desejos criados, é desafiador, necessário e urgente! Como disse Ghandi: o mundo é grande o bastante para atender às necessidades de todos, mas sempre demasiado pequeno para a ganância de alguns!
Eduardo Fernandez Silva. Mestre em Economia. Ex-Diretor da Consultoria Legislativa da Câmara dos Deputados