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Às mulheres, com carinho (Por Tânia Fusco)

Queimadas vivas ou vivas e queimadas?

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Feminismo - feminino - abuso sexual - violência sexual - estupro
1 de 1 Feminismo - feminino - abuso sexual - violência sexual - estupro - Foto: Getty Images

Hoje é o Dia Internacional da Igualdade Feminina. No caso das minorias – não de fato, mas de poder – as datas marcadas são para lembrar o que ainda falta conquistar. De qualquer maneira, a hora é boa para motivar discussões, indagações e provocações.

Nossa rebelião por igualdade de espaço, direito e oportunidade deve ter começado no Paraíso. (Seguramente o Adão era um folgado. E quem ralava era a Eva. Até para buscar o prazer teve que receber um empurrão de uma cobrinha e dar uma maçã em troca. Não era mole aquela obrigatória convivência com um homem só, não.)

Pois foi ali mesmo no Paraíso que também começou nossa desdita e má fama. Para chegar à rainha tinha que matar um bando ou dar pra alguém, ou as duas coisas. Se bobeasse, perdia a cabeça em praça pública. Qualquer feiticinho e já virava lenha. Uma costura pra fora e lá vinham pedradas mortais. Se desse mole para inimigos invasores, navalha nos cabelos, surra e cartaz de traidora no peito. Teve até quem passasse pelo sufoco de amarrar os seios para poder ensinar como se ganha uma guerra. (Aliás, a última que os franceses ganharam.) Depois disso tudo (e justamente por isso tudo), também essa moça acabou na fogueira.

Ainda por cima – e é bom não esquecer –, sempre tivemos que manter o corpinho de acordo com o figurino do momento. Houve o tempo de comer feito uma porca para ser farta em carnes. Houve hora de apertar meio corpo com ferro, arame e couro para ficar de cinturinha fina e sobrar peitos nos decotes. Chegou a vez de não comer nadica de nada pra não arriscar qualquer sobrinha além da pele sobre os ossos.

E a história seguiu nesse desacerto todo em cima da gente, até que um certo dia 8 de março, nos idos de 1857, umas operárias têxteis de Nova Iorque (USA ainda sem Bush), injuriadas porque trabalhavam 16 horas dia e ganhavam 1/3 do que recebiam os escravos homens, pararam as máquinas. Como a fogueira é a nossa sina, a coisa foi resolvida rapidamente: fecharam as portas da fábrica e… fogo! 130 mulheres, mais uma vez, fizeram papel de lenha, viraram cinzas. Ou seja, arranjar encrenca no Paraíso não foi uma boa pra gente. Mas não foi mesmo.

No século passado, começamos uma reação em cadeia cobrando todas essas barbaridades que, desde o truque da maçã, vínhamos sofrendo. Fomos nos juntando em grupos para ganhar mais força e fôlego pelo mundo afora e dizer: “Assim também tá demais.” Em 1910, lá na fria Dinamarca, uma turma dessas fez uma Conferência Internacional e, entre outras bandeiras, batizou o 8 de março como o Dia Internacional da Mulher, para ninguém nunca mais esquecer aquela fogueira viva feita com as rebeladas da grande Nova Iorque que pretendiam apenas o direito de trabalhar 10 horas por dia.

O restante da história é praticamente coisa de hoje ou de outro dia. Ainda apanhando muito, em casa e na rua, conseguimos votar e ser eleitas, fazer curso superior, usar calça comprida, trabalhar em qualquer função – de gari à Ministra, de operária aos Tribunais Superiores, Prefeituras, Assembleia e Câmara Legislativas, Senado Federal. Só falta a Presidência da República. Essa ainda não deu pra nós, brasileiras.

Bacana, né? Bacana mesmo? Por que será que ainda precisamos de tantas datas para lembrar o que falta? Por que será que a gente ainda está na categoria de “minoria”? Por que será, hein? Eu tenho a minha tese. Mas vou parar por aqui com a indagação/provocação ou a escrita fica muito longa e o Noblat me censura.

(Publicado aqui em 26 de agosto de 2004)

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