As lições do Chile (por Cristovam Buarque)
A maior lição chilena é o enterro do populismo
atualizado
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A eleição de Gabriel Boric para Presidente do Chile nos passa algumas lições.
A primeira, de que a política está polarizada, a “terceira via” não chega ao segundo turno, e vence a eleição o extremo que conseguir apoio do centro.
A segunda lição, para chegar ao segundo turno é preciso ter propostas diferentes das ideias obsoletas herdadas do passado. É preciso: incorporar o desenvolvimento sustentável como propósito da economia casada com o meio ambiente; perceber o papel da educação como vetor do progresso; há um desejo de renovação, nem a velha direita nem a esquerda velha; é preciso incorporar nas propostas as mudanças nos costumes e nos direitos humanos; ter a percepção de que justiça social não caminha sobre economia ineficiente, nem sob moeda com inflação. Foram estas novidades ideológicas que derrotaram os partidos e lideranças tradicionais no primeiro turno e derrotaram o candidato de direita no segundo. Estamos atrasados: os “nem nem” do Centro não entenderam a força dos extremos neste momento da história. Nem foram capazes de modernizar seus discursos, a direita ainda menos, ficando cada vez mais atrasada.
A terceira lição é o civilismo da política chilena em que um líder considerado de extrema esquerda assume-se como presidente de todos e não apenas de seus eleitores, recebe a visita do seu opositor de extrema direita, e no dia seguinte vai conversar com o atual presidente, também de direita. Lula e Fernando Henrique Cardoso fizeram isto, mas o Brasil regrediu, difícil imaginar nosso Boric, Boulos, sendo recebido como presidente eleito por Bolsonaro.
A maior lição de todas porém não está nas eleições do domingo passado, mas na cultura criada pela história das últimas décadas, de responsabilidade fiscal adotada universalmente por todos políticos e partidos chilenos. A lição chilena é o enterro do populismo: as divergências são profundas, maiores do que entre esquerda e direita no Brasil, mas todos concordam, os sindicatos também, de que os recursos fiscais são limitados e de que nem é preciso uma PEC do Teto, ela está embutida no inconsciente de todos. Tanto quanto na Finlândia os políticos não precisam priorizar educação.
Apesar de que no Brasil a responsabilidade fiscal veio pela esquerda social-democrata de Fernando Henrique e foi mantida pelo governo petista de Lula, o populismo está presente e hoje une PT e Bolsonaro. Impossível imaginar no Chile a aprovação de R$5,7 bilhões para a farra eleitoral, mesmo sabendo da tragédia fiscal que nosso país atravessa. A grande lição chilena é que Boric vai ter condições de dar um salto civilizatório no Chile, graças a seu compromisso social progressista, contando uma base fiscal sólida. O Chile tem meio século de responsabilidade fiscal, atravessando governos de direita ou esquerda. A seriedade no uso do dinheiro público está entranhada nos políticos, empresários e sindicalistas.
A mentalidade responsável permitirá ao novo governo definir prioridades, ter recursos para investimentos, sem quebrar o equilíbrio fiscal, sem provocar inflação, sem aumentar dívida pública e nem os juros.
Esta será a maior lição do Chile: a orientação social progressista usando finanças públicas sólidas permitindo uma esquerda progressista, contemporânea, democrática e responsável.
Cristovam Buarque foi ministro, senador e governador