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As eleições, entre o divã e a UTI (Por Felipe Sampaio)

O que se encontrou ali (mais uma vez) foi o reflexo cristalino da vontade realista dos cidadãos

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Santinhos espalhados por rua do DF durante votação nas Eleições 2022
1 de 1 Santinhos espalhados por rua do DF durante votação nas Eleições 2022 - Foto: Beatriz Queiroz/Metrópoles

Há quem diga que a política enlouqueceu, ou que a democracia respira por aparelhos. Porém, verdade seja dita, ao se apurarem as urnas do primeiro turno municipal, o que se encontrou ali (mais uma vez) foi o reflexo cristalino da vontade realista dos cidadãos. Se existe um ser vivo que tenha mentalidade prática neste planeta, esse ser se chama ‘eleitor’.

Prova disso são as eleições para prefeito, porque é no município que a vida se materializa todo dia. A pessoa sai de casa para votar no político que mostrou possibilidade de entregar algum benefício palpável para o dia a dia (um posto de saúde, uma creche, uma linha de ônibus). É por isso que trocar um voto por uma camiseta nem sempre é pura ignorância do eleitor, se o outro candidato não demonstrar perspectiva concreta de se obter algo que melhore a vida real.

Não surpreende se o eleitor médio não sentir falta, nas campanhas deste ano, dos líderes nacionais dos dois polos antagônicos da política brasileira. Candidato a prefeito que apostou tudo nessa polarização perdeu tempo e voto. O eleitor é pragmático, capaz de distinguir que o estresse ideológico desvia sua atenção da necessidade diária de serviços públicos básicos.

Por outro lado (da mesma moeda), se a opinião pública já andava atordoada com a ascensão de Trump, Bolsonaro e Milei, o que dizer de um coach de internet que, ao transformar a eleição em um ‘stand up comedy’, por pouco não tomou posse do maior orçamento municipal da América Latina?

Giuliano Da Empoli (Os Engenheiros do Caos, 2019), já abordou a influência das fake news sobre as eleições, turbinadas na internet pela Inteligência Artificial. Segundo o autor, aquele espírito de vale-tudo satírico, típico de carnavais de rua, deixou a crítica festiva ocasional para se espalhar no cotidiano social por meio das redes digitais, ocupando posição dominante na política atual, mesmo trafegando numa zona cinzenta entre a diversão jocosa e a contestação fútil.

Nesse sentido, numa corrida por likes, muitos candidatos em 2024 trocaram de vez a argumentação política por um besteirol ilusório disparado pelos celulares. Uns poucos concorrentes ainda tentam juntar algum linguajar gerencial (supostamente ‘apolítico’) às promessas de obras e serviços. Raríssimos deles ainda gastaram tempo apresentando propostas de políticas públicas estruturantes ou transformadoras de verdade.

Contudo, vale separar (ou seria juntar?) essas questões. Ou seja, cabe reconhecer que esse fenômeno de precarização da linguagem e da mensagem via redes digitais, no fim das contas, acaba expressando aquele pragmatismo do eleitor. Ao ‘curtir’ e votar em candidatos que beiram o ridículo e o grotesco, o cidadão está sim fazendo Política, protestando, declarando sua insatisfação com insuficiência dos resultados que tem recebido do Estado, seja qual for o time governante. O que acaba acontecendo é uma espécie de anarquismo digital, somado a um cardápio de costumes conservadores, que contagia eleitores da direita ou da esquerda.

Em um cenário assim, portanto, não se pode atribuir somente à fragilidade do discernimento político do eleitor (tampouco, simplesmente, ao poder da IA), as escolhas ‘ruins’ que se faça – seja por um candidato tradicional ou um influencer mais caricatural.

Sendo assim, fica combinado que o eleitor não é portador de nenhuma insanidade coletiva, por mais terminal que pareça o caso do seu candidato. O problema está, novamente, nas capacidades que o escolhido reúne de corresponder à expectativa que criou, ainda que tenha utilizado algoritmos de última geração.

Felipe Sampaio: cofundador do Centro Soberania e Clima; foi secretário-executivo de segurança urbana do Recife; dirigiu o sistema de estatísticas no ministério da Justiça; chefiou a assessoria do ministro da Defesa; membro do Fórum Brasileiro de Segurança Pública; ocupa a chefia de gabinete da secretaria-executiva no Ministério da Microempresa.

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