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As confissões de David Pecker, rei dos tablóides (Por Bárbara Reis)

O outro lado do jornalismo e dos media

atualizado

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Michael M. Santiago/Getty Images
Imagem colorida mostra o ex-presidente dos Estados Unidos DOnald Trump em julgamento - Metrópoles
1 de 1 Imagem colorida mostra o ex-presidente dos Estados Unidos DOnald Trump em julgamento - Metrópoles - Foto: Michael M. Santiago/Getty Images

Na semana passada, fiquei com pena de ter deitado fora, do esboço do Livre de Estilo, as confissões de David Pecker no julgamento de Donald Trump.

newsletter era sobre como os tablóides fazem mal à saúde da democracia, mas o texto estava grande e cortei. Pouco depois, soube-se que Trump fora considerado culpado em todas as 34 acusações e pensei que falhara o momento para falar de Pecker.

Mas não. Acabo de ler que, das 22 testemunhas ouvidas no julgamento, Pecker foi decisivo para condenar o ex-Presidente norte-americano.

Em 2015, estava Trump em campanha para as presidenciais, Pecker era presidente do grupo American Media, que publica o National Enquirer, um tablóide com 100 anos, que já vendeu seis milhões de exemplares diários e hoje “só” vende um milhão, mas continua a ser o rei dos tablóides.

Em tribunal, Pecker admitiu que manipulou a cobertura do então candidato à Casa Branca; participou numa reunião, no Verão de 2015, na qual Trump e Michael Cohen, antigo advogado de Trump, lhe perguntaram o que poderia fazer para ajudar a campanha; contou que Cohen lhe perguntou se concordava em “publicar histórias positivas sobre o senhor Trump e histórias negativas sobre os seus adversários” na National Enquirer; contou que concordou com a proposta e que disse: “Serei os vossos olhos e ouvidos.”

A seguir, Pecker deu três exemplos do resultado prático do acordo.

Num deles, comprou por 150 mil dólares os direitos da história em que Karen McDougal, modelo da Playboy, alegava ter tido um affair com Trump durante um ano: o empresário contou que o director do National Enquirer, Dylan Howard, teve conhecimento da alegação em Junho de 2016, que conversou com Trump sobre a compra da história para evitar que fosse publicada, e que ele e Cohen chegaram a acordo com a modelo e ela aceitou 150 mil dólares em troca do silêncio.

Noutro, comprou por 30 mil dólares os direitos da história do antigo empregado da Trump Tower, Dino Sajudin, segundo o qual Trump era pai de uma filha ilegítima. O tablóide procurou a empregada de limpeza com quem Sajudin alegava que Trump tinha tido o caso e um editor do National Enquirer pagou 30 mil dólares pela história.

E contou que ajudou a fazer o acordo para comprar o silêncio de Stormy Daniels, a actriz pornográfica com quem Trump teve outro affair extraconjugal: não foi ele a pagar, mas também conversou sobre este negócio com Trump. Contou que Cohen “estava desesperado” e queria que Pecker pagasse mais uma vez e que lhe disse que “o patrão ficaria furioso” se Pecker não o fizesse. Mas Pecker recusou porque o maior distribuidor da National Enquirer, a Walmart, rede de supermercados, ficaria descontente com a ligação a uma estrela pornográfica. Acabou por ser Cohen a pagar e Trump, para o reembolsar, falsificou documentos (e foi por estas falsificações que foi condenado).

Um advogado de defesa perguntou a Pecker:

– A sua intenção foi sempre, desde o início da vossa amizade [com Trump], não publicar histórias negativas sobre o Presidente Trump?

– Sim – respondeu Pecker.

E um procurador, da acusação, perguntou-lhe:

– O seu principal objectivo, ao celebrar o acordo com Karen McDougal, era suprimir a história para evitar que influenciasse as eleições?

– Sim, era – respondeu Pecker.

Na altura, quando o Wall Street Journal fez perguntas sobre o acordo, Pecker autorizou a sua empresa a mentir sobre o assunto. Quando lhe perguntaram porquê, Pecker disse em tribunal:

– Queria proteger a minha empresa, queria proteger-me a mim e queria, também, proteger Donald Trump.

Na gíria jornalística, este esquema tem um nome: “apanhar e matar” (“catch and kill”). “Apanhar” é pagar os direitos de uma história para que ninguém a possa publicar e “matá-la” é não publicar a história. Sendo o dono dos direitos e não a publicando, a história fica enterrada.

No caso, enterrar histórias negativas que poderiam ser prejudiciais para Trump. Ao mesmo tempo, o National Enquirer promoveu artigos negativos para os adversários de Trump, que agora tenta regressar à Casa Branca.

Simples e eficaz.

Pecker também contou que, já Presidente, Trump o convidou para um jantar na Casa Branca. No fim, o Presidente perguntou-lhe por McDougal:

– Como vai a nossa rapariga?

– Está bem. Está tranquila. Está a correr tudo bem – respondeu Pecker.

– Quero agradecer-vos por terem tratado da situação da McDougal – disse Trump. – E quero agradecer-lhe pela situação do porteiro.

Isto relatou Pecker. E a seguir concluiu:

– Senti que ele me estava a agradecer por as ter comprado e por não ter publicado nenhuma das histórias e por ter ajudado da forma como ajudei.

Vou adorar ler as transcrições completas do depoimento de Pecker, quando forem publicadas. Ele testemunhou três vezes. Será uma aula sobre os bastidores do mundo dos tablóides. Li que Pecker contou que não ajudou só o seu amigo Trump. Também admitiu que enterrou histórias negativas sobre outras pessoas, uma delas sobre os restaurantes Planet Hollywood, que ia sair na Premiere Magazine, em 1996. Queria a simpatia de Ronald Perelman, um empresário que tinha uma participação na cadeia de restaurantes, e mexeu-se para matar a história.

Uma nota da Enciclopédia Britânica informa que “na década de 2010, o principal produtor de tablóides semanais nos Estados Unidos era a American Media, com sede na Flórida, que publicava alguns dos tablóides mais populares; entre eles, o National Enquirer, o Globe e o Star, que se dedicavam quase totalmente à cobertura de Hollywood e de outras celebridades americanas. Também originalmente publicados pela American Media, o Weekly World News e o Sun centravam-se no estranho e bizarro, apresentando notícias (em grande parte) falsas sobre extraterrestres e poderes sobrenaturais, profecias religiosas, mistérios curiosos, escândalos sumarentos e conspirações políticas”.

Podemos escrever sobre os efeitos nocivos dos tablóides no geral e abstracto. É mais útil no concreto.

(Transcrito do PÚBLICO)

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