As armas dos desarmados (por Cristovam Buarque)
Nossas Forças Armadas parecem estar sempre do lado das forças civis conservadoras que defendem o status quo
atualizado
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O Brasil tem o privilégio de não ter conflito com vizinhos, ou mesmo com países distantes, nem motivações imperialistas. Nosso Exército surgiu para consolidar o território nacional, Com exceção da guerra contra a invasão paraguaia e da heróica participação na defesa da democracia nos campos de batalha da Itália, nossos tanques de guerra, mesmo quando silenciosos, parecem apontar para os centros do poder civil, o Planalto, o Congresso, o Supremo Tribunal Federal. A história mostra que nossas Forças Armadas se sentem um poder moderador, pronto para intervir diante da corrupção, de desmandos ou do que eles considerem desvios ideológicos dos políticos civis.
Com exceção da Abolição e da República, e da luta contra o fascismo na Europa, nossas Forças Armadas parecem estar sempre do lado das forças civis conservadoras que defendem o status quo contra a distribuição de riquezas e aumento nos direitos dos trabalhadores. Mas saíram delas líderes comunistas como Prestes e Lamarca, além de muitos oficiais, generais, almirantes e brigadeiros, presos, cassados e expulsos em 1964.
Se estes fossem maioria no comando, o poder moderador teria imposto um caminho contrário, como ocorreu em 1889, quando o golpe militar destituiu o imperador e implantou uma república. O problema de dar às Forças Armadas o poder de intervir não é a visão ideológica que seus comandantes têm, porque eles são substituídos e mudam, o problema é que eles já demonstraram que não são opção melhor do que os civis, seus métodos são muito piores do que os democráticos e não permitem correção de erros e rumos.
Entre 1964 e 1985, o Brasil viu que a calma imposta pelos quarteis contra a desordem civil não foi a solução para a construção da nação eficiente, justa e sustentável, caminhando para o progresso. Apesar de que a nossa tem demonstrado incompetência de gestão, preferência pelos ricos e privilégios e irresponsabilidade com recursos públicos, ela é um caminho histórico mais eficiente para acertar e para corrigir erros. Por mais que errem, como nas eleições de 2018, no longo prazo da história, 100 milhões de eleitores acertam mais do que meia dúzia de ditadores, sejam generais ou caciques civis.
Os desarmados acertam mais do que os armados, por argumentarem e aceitarem derrotas. Para os desarmados, perder um argumento é visto como grandeza, apertam a mão do vencedor e continuam em frente. Para o armado, perder um argumento é desonra e ele se sente rendido, não derrotado, e não aceita. Os generais Geisel e Figueiredo tiveram a grandeza de aceitar a perda do poder para os argumentos do frágil poder civil.
Os constituintes que assumiram o poder não souberam desarmar definitivamente as Forças Armadas dentro do te ritório. Abriram mão de arma nuclear que ameaçaria possíveis ou ilusórios inimigos externos, mas deixaram que os tanques dos aviões e de guerra possam apontar para nossas instituições democráticas. Ameaçando interrompê-las sempre que os civis demonstram incompetência e descuidos com a coisa pública.
Muitos continuam acreditando no espírito público dos comandantes, mas este espírito pode ser prisioneiro do imediato e instigado a intervir, salvar a pátria no presente, embora condenando seu futuro. Eles afirmam que a culpa seria dos políticos que não souberam usar a democracia para servir ao país, e em nome de defendê-lo ameaçam a democracia. Por isto, se sentem no direito de ameaçar usando as armas que dispõem para conseguirem o que desejam, sem necessidade de usá-las. Até porque o perigo das armas não está apenas em serem usadas para matar ou assustar a vítima, mas em desmoraliza-la com a simples ameaça de seu uso.
Por isto o poder não deve se submeter a aceitar o uso de armas militares, nem mesmo apenas como chantagem de ameaças de uso delas. Aceitar a ameaça de uso de armas é pior do que ser vítima fatal delas, porque além de perder o rumo da história perde-se a honra e a forças da legalidade estas armas dos desarmados.
Cristovam Buarque foi senador, governador e ministro