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Paris 2024

As águas inquietas de Paris (por Marcos Magalhães)

O novo governo francês deverá ser anunciado depois da entrega das últimas medalhas

atualizado

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Arco Olímpico em frente a Torre Eiffel - Metrópoles
1 de 1 Arco Olímpico em frente a Torre Eiffel - Metrópoles - Foto: Chesnot/Getty Images

Os atletas de todo o mundo que percorrerão o rio Sena durante a abertura dos Jogos Olímpicos, em 26 de julho, navegarão por águas inquietas de Paris. Ali testarão os limites esportivos enquanto os políticos se dedicam a uma maratona de negociações.

O novo governo francês deverá ser anunciado depois da entrega das últimas medalhas, em 11 de agosto. Até lá, os partidos que venceram as eleições legislativas precisarão chegar a um consenso sobre o nome a ser submetido ao presidente Emmanuel Macron.

Será um teste olímpico. O nome escolhido deverá ser aceito por liberais e socialistas, além de apresentar uma plataforma de governo capaz de unir diferentes demandas, como a busca da austeridade fiscal e a ampliação de medidas de bem-estar social.

Nas arquibancadas, esperando nova oportunidade, estarão as lideranças da Reunião Nacional, o partido de extrema-direita liderado por Marine Le Pen.

Depois de vencer as eleições para o Parlamento Europeu e o primeiro turno das legislativas, o partido amargou um obscuro terceiro lugar após a realização do segundo turno.

Diante da ameaça de um governo liderado pela direita radical, os liberais de Macron e quatro partidos de esquerda – reunidos na Nova Frente Popular – seguiram com disciplina a decisão de abrir mão, no segundo turno, para candidatos mais competitivos.

Com isso, reverteram a tendência e mais uma vez isolaram o partido de Le Pen. Mas agora talvez comece a parte mais difícil: a busca de uma agenda comum de trabalho.

E aqui reside, na França como em outros países da Europa, o grande desafio de reconectar a esquerda, a centro-esquerda e os liberais com populações muitas vezes seduzidas por propostas nacionalistas e xenófobas da direita radical.

Ganhar as eleições, na França como pouco antes no Reino Unido, foi só o começo. Os britânicos já têm um novo primeiro-ministro trabalhista, Keir Starmer, a quem caberá a difícil tarefa de reverter a decadência do país, após desastradas gestões conservadoras.

Os eleitores britânicos deram um mandato claro aos trabalhistas. Mas estão naquele momento de esperar para ver. Starmer precisará mostrar resultados em temas práticos, como a inflação, o desemprego e a crise do Sistema Nacional de Saúde.

Até aqui os conservadores e os ultranacionalistas do grupo Reform UK estão isolados na oposição. Se o novo governo der certo, haverá uma nova década trabalhista. Se errar muito, nada impede que o humor dos britânicos mude mais uma vez.

No caso francês, a tarefa é ainda um pouco mais delicada. Além de costurar um difícil acordo para governar o país, liberais e socialistas precisarão encontrar uma boa forma de convivência do novo governo com o presidente Macron, que segue no poder até 2027.

Como explicou em entrevista à Rádio France a constitucionalista Marie-Anne Cohendet, o presidente da França é um árbitro e garantidor da Constituição, dos tratados e da integridade territorial. Mas não é ele que governa.

“Se ele tem maioria na Assembleia, ele tem, ao mesmo tempo, os papéis de rei da Inglaterra e primeiro-ministro”, explica Cohendet. “Se ele perde a maioria, não é mais como um primeiro-ministro, mas continua rei da Inglaterra e um pouco mais do que isso, pois nossa Constituição lhe dá mais poderes”.

Nesse caso, conclui a constitucionalista, o presidente da República não pode mais imaginar que dispõe de superpoderes na política nacional. E aí começa o que os franceses chamam de coabitação.

Caberá a Macron indicar um primeiro-ministro que, ao mesmo tempo, esteja em sintonia com o resultado das urnas e com o qual possa conviver durante os três anos que lhe restam ainda de mandato presidencial.

O novo primeiro-ministro, por sua vez, precisará se equilibrar entre as promessas de campanha e a realidade orçamentária do país. Outra tarefa difícil.

Ao comentar os resultados das eleições, Marine Le Pen disse que a vitória de seu partido é uma questão de tempo e que, até lá, a França terá que conviver com “imigração descontrolada”, crise econômica e aumento da violência.

São temas que, de fato, preocupam muitos franceses. E que são explorados com habilidade pelos populistas da direita radical.

O que fazer, então? Os novos governos da França e do Reino Unido precisarão reunir todas as possíveis habilidades para lidar com um cotidiano cheio de desafios políticos e econômicos. Somente assim poderão manter por mais tempo longe do poder os representantes da direita radical.

 

Marcos Magalhães. Jornalista especializado em temas globais, com mestrado em Relações Internacionais pela Universidade de Southampton (Inglaterra), apresentou na TV Senado o programa Cidadania Mundo. Iniciou a carreira em 1982, como repórter da revista Veja para a região amazônica. Em Brasília, a partir de 1985, trabalhou nas sucursais de Jornal do Brasil, IstoÉ, Gazeta Mercantil, Manchete e Estado de S. Paulo, antes de ingressar na Comunicação Social do Senado, onde permaneceu até o fim de 2018.

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