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Argentina e Brasil ensaiam nova etapa do Mercosul (Marcos Magalhães)

A disputa entre Milei e Lula

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Lula e Milei se cumprimentam no G20 -- Metrópoles
1 de 1 Lula e Milei se cumprimentam no G20 -- Metrópoles - Foto: Reprodução

A equipe do Botafogo celebrou em paz a conquista da Taça Libertadores em Buenos Aires, voltou para casa e caiu nos braços da torcida no Rio de Janeiro. A tranquilidade nas ruas da capital argentina parecia mostrar que décadas seguidas de rivalidade e desconfiança ficaram no passado. Mas será mesmo?

A partir de sexta-feira, os presidentes dos dois países têm novo encontro marcado, desta vez em Montevidéu, para a reunião de cúpula do Mercosul. Ninguém espera fortes abraços de Luís Inácio Lula da Silva e Javier Milei, mas as relações de verdade entre os dois presidentes começam a ser desenhadas na capital uruguaia.

A reunião será comandada pelo ainda presidente do país anfitrião, Luis Lacalle Pou. E contará com novidades, como a presença do presidente eleito Yamandú Orsi e da delegação da Bolívia, que passa a fazer parte do Mercosul.

O encontro será a primeira ocasião para Milei apresentar aos demais integrantes do bloco os seus planos para a união regional. Além disso, será mais fácil perceber como o novo governo argentino pretende lidar com seu maior sócio no Mercosul.

Nas ruas de Buenos Aires, a recepção às dezenas de milhares de torcedores de Botafogo e Atlético Mineiro foi tranquila. Os argentinos expressavam mais curiosidade sobre os dois times do que qualquer sinal de rivalidade.

Vista assim, das relações entre pessoas de países vizinhos, Argentina e Brasil parecem hoje muito mais próximos do que no passado. É até comum ouvir argentinos ensaiando algumas palavras em português.

No mundo oficial, porém, um novo capítulo passa a ser escrito agora. E ele não parece muito promissor.

As relações bilaterais começaram a esfriar quando Jair Bolsonaro, pela direita radical, elegeu-se presidente do Brasil. Ele nunca demonstrou simpatia pelo colega Alberto Fernández, que se elegeu pouco depois pela esquerda peronista.

Agora os sinais se inverteram. À esquerda, Lula voltou ao poder. E Milei se apresenta como representante da direita libertária, uma espécie de filial sul-americana do movimento comandado pelo presidente eleito dos Estados Unidos, Donald Trump.

O frio encontro dos dois presidentes na reunião do G-20, no Rio de Janeiro, indica que haverá muito trabalho pela frente. O sentimento mais otimista a que diplomatas dos dois países recorrem ao definir o momento é o de pragmatismo.

Há duas frentes de embates à vista. A primeira é pela própria liderança regional. O governo argentino vê o Brasil mais preocupado em participar de movimentos mais amplos de aproximação com o chamado Sul Global.

Enquanto isso, Milei quer projetar-se como representante de valores ocidentais na América do Sul, em decisiva aproximação com os Estados Unidos de Trump.

A segunda frente está ligada ao comércio. Assim como o atual presidente do Uruguai, Lacalle Pou, Milei pretende propor aos demais integrantes do bloco que os países membros possam fazer individualmente acordos de comércio com terceiros.

O Brasil vai manter a posição original do bloco, segundo a qual acordos com terceiros países ou blocos sejam negociados sempre em conjunto pelo Mercosul, como forma de garantir maior peso político ao grupo sul-americano.

Assessores de Milei já insinuam que a Argentina poderia, inclusive, deixar o Mercosul se não puder fazer acordos por sua própria conta. Pode ser apenas uma forma de pressão. Ou pode ser uma ameaça real.

A possível conclusão das negociações de um acordo de associação entre o Mercosul e a União Europeia, prevista para o final do ano, poderia acalmar os ânimos e dar nova vida ao bloco sul-americano, que pode vir a receber também como sócio o Panamá.

É difícil ainda prever como o Mercosul se adaptará à nova realidade regional. Mas é certo que essa definição passará pelo relacionamento entre seus dois maiores sócios.

Argentina e Brasil formam a espinha dorsal do Mercosul. Milei pode estar apenas jogando para a torcida ao ameaçar deixar o bloco. Mas é bom ficar atento às palavras e aos gestos de um imprevisível presidente que tem como símbolo a motoserra.

 

Marcos Magalhães. Jornalista especializado em temas globais, com mestrado em Relações Internacionais pela Universidade de Southampton (Inglaterra), apresentou na TV Senado o programa Cidadania Mundo. Iniciou a carreira em 1982, como repórter da revista Veja para a região amazônica. Em Brasília, a partir de 1985, trabalhou nas sucursais de Jornal do Brasil, IstoÉ, Gazeta Mercantil, Manchete e Estado de S. Paulo, antes de ingressar na Comunicação Social do Senado, onde permaneceu até o fim de 2018.

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