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Aprender conversando (por Gustavo Krause)

Errar é humano; conversar, também. Mas, que tipo de conversa? Existe uma enorme diversidade.

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Ilustração de médico e paciente conversando, com um ballão de conversa mostrando espermatozoides e óvulos - Metrópoles
1 de 1 Ilustração de médico e paciente conversando, com um ballão de conversa mostrando espermatozoides e óvulos - Metrópoles - Foto: GettyImages

Errar é humano; conversar, também. Mas, que tipo de conversa? Existe uma enorme diversidade. A partir de uma conversa íntima em que você é seu próprio interlocutor. Introspectivo, o fulano está falando só, às vezes, balbucia ou gesticula. Não falta quem imagine que o sujeito está ficando maluco, caducando, como diziam os mais antigos. No mais das vezes, é um ensaio sobre uma aula, uma palestra ou uma tentativa de explorar o autoconhecimento.

Como somos seres desejantes de saber, a conversa deve, em princípio, cumprir esse papel. No entanto, as conversas não se limitam a uma troca de ideias entre o círculo fechado dos mestres, professores, eruditos, acadêmicos que têm muito a oferecer, porém troca de saberes nem sempre correspondem às lições de sabedoria, apreendidas na experiência da vida simples.

Não se trata do simplório, mas da simplicidade que se manifesta em palavras despretensiosas, fatos e exemplos carregados de leveza. Não se ignora a complexidade da vida, mas, quando diante do esplendor poético de uma rosa, se limita a traduzir que “uma rosa é uma rosa”.

De várias maneiras, a conversa se insere no cotidiano de um tropicalismo comunicativo: vai de um blá blá blá esfuziante à rigidez do linguajar formalista, a um descomprometido “bate-papo” ou saudável exercício de “jogar conversa fora”.

O importante é fazer um bom uso da faculdade humana que é conversar. “Papo furado” e “conversa fiada” pode acontecer, mas, nesses casos, ratifica o princípio de que “conversar é uma arte; escutar é sabedoria pura”.

Estas breves considerações têm por objetivo destacar o livro de autoria de Cristovam Buarque “Conversa com Edmar Bacha” (Ed. InterSaberes, Curitiba PR, 2024) lançado no dia 08 do mês corrente no Instituto Arqueológico, Histórico e Geográfico de Pernambuco (IAHGP) a convite do Cine PE, festival idealizado por Alfredo Bertini, durante a 28ª edição, celebrando a cultura e o audiovisual pernambucano.

Nesta obra, o excepcional conteúdo é construção de elevada conversa entre Cristovam e Edmar Bacha, em dueto admirável, que revela a experiência de dois personagens que marcaram a passagem pela vida pública graças à rara união de atributos como sólida formação acadêmica, vasta cultura humanística e, sobretudo, uma consagrada capacidade de pensar e agir, operando transformações concretas na realidade social.

A síntese dos extensos currículos se fundem em grandes realizações: a de Bacha, foi sua decisiva atuação na criação do Real o que representou uma transformação estrutural na economia brasileira viciada no ópio inflacionário; a de Cristovam foi o pioneirismo na implantação do Bolsa-Escola (1995), quando Governador do Distrito Federal, o que serviu de exemplo para as políticas de transferências de renda com condicionalidades, no governo FHC e unificadas no Bolsa-Família no primeiro governo do Presidente Lula.

A exemplo de Edmar Bacha, Cristovam enfrentou um dos problemas estruturais da sociedade brasileira que é a questão da educação básica e de qualidade, o maior obstáculo para superar as desigualdades e construir um país mais desenvolvido e justo. Ele defende tão obstinadamente esta bandeira que o considero um “educacionista militante”.

Pois bem, em tempos sombrios para a luzes do debate político, os autores utilizaram o valor do diálogo como método de chegar ao leitor. No prefácio primoroso da jornalista e escritora Miriam Leitão, ela assim resume a mensagem do livro: “A sensação de quem lê é de ser a terceira pessoa em uma mesa de conversa entre duas pessoas inteligentes”.

Ambos, a despeito dos avanços, buscam entender o Brasil a partir de suas raízes, “algemas” ou, como menciona Cristovam, “os três atavismos brasileiros: olhar para dentro, depender do Estado e não valorizar a educação”, e como afirma Bacha, mirando o futuro com apurado senso de autocrítica: “Os desafios de promover crescimento econômico em ambiente democrático, com estabilidade de preços, equidade e sustentabilidade, continuam a nos confrontar. Espero que as novas gerações de economistas possam enfrentar esses desafios com mais sucesso do que minha geração pôde fazer”.

Ou seja, pedir passagem para o futuro, tanto para Edmar quanto para Cristovam, significa o aperfeiçoamento do regime democrático, superando a armadilha da renda média (v. artigo de Bacha “Democracia, autocracia e crescimento econômico”, publicado no Valor Econômico, edição de 18/01/2023) e eliminando, na expressão de Cristovam, “a democracia corporativizada” o que dará suporte a um olhar estratégico capaz de perceber a dimensão da revolução científica, tecnológica e a força inovadora do conhecimento.

De fato, a leitura do livro é uma imersão agradável e que auxilia o leitor a perceber a complexidade da realidade brasileira, em especial na transição do século XX para o século XXI, auxiliada pela inclusão de breves, porém, importantes informações curriculares de todos os pensadores referidos ao longo das 125 páginas.

Entre muitos, um dos grandes méritos da obra é atenuar ou, na melhor hipótese, evitar a observação do escritor Ivan Lessa (1935-2012) sobre a teimosia dos brasileiros em esquecer a cada 15 anos o que aconteceu nos 15 anos anteriores.

Gustavo Krause foi ministro da Fazenda

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