Ao Mestre, com carinho (por João Bosco Rabello)
Orlando Brito foi lenda em vida, algo para pouquíssimos. Continuará lenda, igualmente um feito de poucos
atualizado
Compartilhar notícia
Orlando Brito se foi. Celebrado, justamente, como o mestre do foto- jornalismo político, ele era muito mais que isso. Brito era um jornalista completo. Suas imagens surgiam de uma leitura política que precedia o clique de sua máquina.
Com ele, o cronograma da produção jornalística quase sempre se invertia: com frequência uma foto sua impunha aos repórteres a apuração de um enredo que passara despercebido e fora da pauta das redações. Seu olhar era um imã a captar o que a cena política mantinha longe das vistas comuns.
Nos últimos anos ensinou que não devemos nos curvar às dificuldades em tempos tão difíceis como estes. Todos os dias, de manhã à noite, cumpria com a disciplina de um foca voraz a rotina de buscar as imagens que o consagraram como o melhor documentarista da cena do Poder no Brasil. Sua máquina era mera ferramenta: ele ia além do que a vista alcança.
Foi lenda em vida, algo para pouquíssimos. Continuará lenda, igualmente um feito de poucos. Ainda tinha planos de documentar o momento de outras lendas vivas, da geração que está fechando um ciclo também. Não deu tempo, mas o legado que deixa é único.
Aos 72 anos, mesmo trabalhando já por conta própria, mantinha-se em plena atividade cumprindo as pautas que ele mesmo elaborava no circuito do poder.
Não havia tempo ruim ou fato menor – ia das manifestações públicas ao “puxadinho” nefasto do Alvorada e no caminho registrava as ruas, e a gente simples, os coadjuvantes do cenário solene dos palácios.
Tinha entre seus interlocutores um mendigo de ponto fixo na Esplanada com o qual media a temperatura política sob a visão daquele observador invisível aos funcionários públicos, executivos e políticos que trafegam na escultural avenida dos Três Poderes.
Despediu-se como um artista – no palco. Deu-nos a honra do convívio enquanto teve energia, compartilhando uma memória invejável, histórias pessoais e, principalmente, seu olho clínico para traduzir a política a partir de um instante, um gesto, um movimento, uma expressão captada no ambiente do Poder.
Sua obra o faz imortal. O que o deixa para sempre entre nós, mesmo ausente. Profissional e ser humano fora de série, passa do reconhecimento em vida para a reverência póstuma.
Como merecem os que elevam a importância do ofício que exerce.
João Bosco Rabello escreve no Capital Político. Ele é jornalista há 40 anos, iniciou sua carreira no extinto Diário de Notícias (RJ), em 1974. Em 1977, transferiu-se para Brasília. Entre 1984 e 1988, foi repórter e coordenador de Política de O Globo, e, em 1989, repórter especial do Jornal do Brasil. Participou de coberturas históricas, como a eleição e morte de Tancredo Neves e a Assembleia Nacional Constituinte. De 1990 a 2013 dirigiu a sucursal de O Estado de S. Paulo, em Brasília. Recentemente, foi assessor especial de comunicação nos ministérios da Defesa e da Segurança Pública