metropoles.com

Anarcopopulismo (por José Sarney)

Com a vitória do capitalismo a anarquia volta-se para a antiglobalização e, naturalmente, na negação do Estado, o anarcocapitalismo

atualizado

Compartilhar notícia

Google News - Metrópoles
Instagram/Reprodução
Imagem colorida mostra o ex-presidente dos EUA Donald Trump em frente a bandeiras do país - Metrópoles
1 de 1 Imagem colorida mostra o ex-presidente dos EUA Donald Trump em frente a bandeiras do país - Metrópoles - Foto: Instagram/Reprodução

Quando se formavam as bases da democracia moderna, no período entre as revoluções inglesa, americana e francesa, ou entre Locke, Voltaire, Rousseau, Madison — isto é, quando se invocava o predomínio da razão —, surgiu uma palavra para negar valores: niilismo. Etimologicamente, a palavra vinha de “nada”, podia-se dizer que era a negação das ideias. Nietzsche lhe deu sua carta de alforria. O niilismo, segundo ele, esvaziava a humanidade de significado, propósito, valores. Mas a frase definitiva é de Dostoiévski: “Se Deus não existe, tudo é permitido.”

Ser um niilista representava, quando eu era jovem, a manifestação de uma vontade desagregadora, desesperada e inútil. Eu, meus amigos, os políticos com que convivíamos, tínhamos ideias, sonhos, divergíamos sobre a teoria e a prática da política, mas víamos uma sociedade a ser transformada com a ação do homem. Nossa repulsa ao niilismo era definitiva.

O outro lado do niilismo é o agir negativo, o anarquismo. Este tem derivas para o socialismo e para o terrorismo. Na mesma família surgem os populismos concentracionários, nazismo, fascismo, comunismo etc. Com a vitória do capitalismo a anarquia volta-se para a antiglobalização e, naturalmente, na negação do Estado, o anarcocapitalismo. Daí para o atual populismo de direita, para a alt-right foi um pequeno passo.

Para cada corrente surgem logo os teóricos. O anarcopopulismo, a mistura de demagogia bagunceira que varre o mundo, tem como cérebro Steve Bannon, que não chega a formular um pensamento, mas desdobra-se em ações. O objetivo é desintegrar o Estado de Direito.

Entre nós, se escapamos do desastre maior do 8 de janeiro, vivemos hoje um Parlamento sem valores, sem ideias, sem programas. Atomizada a representatividade, torna-se quase impossível governar. O sistema de votação virtual, introduzido sob pretexto da pandemia, acabou com o debate parlamentar, reduzido às pautas corporativistas. Inevitavelmente os poderes entram em conflito. Há apenas o fascínio por um mundo a ser conquistado por todos os meios — e destruído.

A Inglaterra fez o Brexit como solução para a crise partidária e, com o seu desastre, vê o aprofundamento desta crise. A falta de lideranças abala a Europa. Putin se especializa no assassinato político e se coloca com Zelenski acima do sofrimento de seus povos.

Mas o mais incompreensível exemplo vem dos Estados Unidos. Vivi na convicção, forjada na leitura dos Fundadores, de Lincoln, de Tocqueville, de que a Constituição americana, com seus “checks and balances”, era inabalável. Agora a vejo vacilar diante da segunda onda do ataque de Donald Trump. A Suprema Corte, em crise moral e politizada, decidiu examinar, nas calendas gregas, se um presidente americano tem imunidade absoluta.

Um jornalista do NY Times examinou o programa de governo de Trump. Diz ele que seu projeto não é eliminar o Estado: é usar o Estado para o benefício dos super-ricos que o apoiam — e, possivelmente, lhe darão o dinheiro para pagar as multas de mais de meio bilhão de dólares que equivalem a toda a sua fortuna. Um dos pontos é acabar com a separação entre Igreja e Estado: pobres Jefferson e Madison, que a fixaram como ideia central da liberdade de pensamento e devem estar girando sem parar em seus túmulos.

Um mundo incompreensível para mim.

 

José Sarney, ex-presidente 

Quais assuntos você deseja receber?

Ícone de sino para notificações

Parece que seu browser não está permitindo notificações. Siga os passos a baixo para habilitá-las:

1.

Ícone de ajustes do navegador

Mais opções no Google Chrome

2.

Ícone de configurações

Configurações

3.

Configurações do site

4.

Ícone de sino para notificações

Notificações

5.

Ícone de alternância ligado para notificações

Os sites podem pedir para enviar notificações

metropoles.comBlog do Noblat

Você quer ficar por dentro da coluna Blog do Noblat e receber notificações em tempo real?