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Adoçando a despedida (Por Miguel Esteves Cardoso)

Decidir se nos vamos ou não zangar com o mundo é uma decisão que é preciso tomar cedo

atualizado

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João Bidu/ Reprodução
Homem com muita raiva demostrando com as mãos
1 de 1 Homem com muita raiva demostrando com as mãos - Foto: João Bidu/ Reprodução

Só há pouco tempo percebi porque é que os velhos se tornam cada vez mais rabugentos, até porque eu também não vou para mais novo e nada do que é humano, por assim dizer, me é estranho.

Como sentem que a morte se aproxima, estão a facilitar a despedida, deitando abaixo o mundo do qual se vão despedir. A vida ajuda a pintar a vida de preto. Morrem os pais, os amigos, os senhores da mercearia e os borrachinhos por quem se estava apaixonado. Face a esse desconsolo, basta um pequeno esforço para nos convencermos de que isto nunca esteve tão mau como está agora, os jovens nunca foram tão incompreensíveis, a moralidade nunca esteve tão soterrada e as artes nunca estiveram tão rasteiras como hoje estão.

Quem desdenha quer morrer.

Os velhos miserabilistas fazem como os namorados que arranjam discussão no fim das férias, para não custar tanto a separação. O objectivo é, um dia antes da morte, chegar à conclusão: “Não há quase nada nesta vida que me convença a ficar.”

Faz sentido.

A raposa diz que as uvas, de qualquer maneira, estavam verdes e que até foi uma sorte não poder atingi-las, porque se livrou da dor de barriga. Já os velhos miserabilistas fazem questão de denunciar toda a uva e todo o vinho, depois de terem passado a vida inteira a encher o bandulho com moscatéis teta-de-vaca.

Os velhos antimiserabilistas seguem a estratégia inversa, gozando e cantando a vida até aos limites, sem querer pensar no que lhes vai custar despedirem-se dela. Vai-lhes custar muito. Mas só durante um bocadinho, porque depois morrem — e não se pensa mais nisso.

Em contrapartida, os miserabilistas têm pena de não poder gozar o período pós-mortal a dar pancadinhas nas costas das suas próprias pessoas, a comiserar: “Tinhas toda a razão, isto foi ficando cada vez pior. Safaste-te a tempo, só te digo…”

Não é um problema longínquo, mesmo para uma pessoa muito nova. Decidir se nos vamos ou não zangar com o mundo é uma decisão que é preciso tomar cedo.

 

(Transcrito do PÚBLICO)

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