Adeus, Françoise Hardy (Por Miguel Esteves Cardoso)
Amei-a durante três anos seguidos, dos mais intensos que são dados a um homem
atualizado
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Se não me habituo ao envelhecimento dos meus crushes juvenis, imagine-se como fico chocado quando morrem, como agora morreu Françoise Hardy.
Sinto-me culpado, claro. Aos 12 anos deixei de amá-la. Mas amei-a durante três anos seguidos, dos mais intensos que são dados a um homem.
Compreendo agora que esses anos de entrega e solidão, de fidelidade e esperança, jamais serão reconhecidos – e muito menos correspondidos, porque a única pessoa que poderia reconhecê-los acaba de morrer. Com apenas 80 anos, ainda por cima.
De resto, os crushes – as esmagadoras paixonetas que são a prova de que basta uma só pessoa para tratar de um grande amor – substituem-se uns aos outros, revelando a relação muito alegre entre a imaginação e a promiscuidade.
Mas nunca se esquecem. Porque o abalo fica – e não há dois sinos que toquem da mesma maneira, mesmo no mais comprido dos carrilhões.
Assinei a revista Salut les Copains não para aprender francês, mas para aprender Hardy. Ajudava-me muito ser indiferente a todas as outras cantoras francesas, e odiar todos os cantores franceses, só porque podiam cruzar-se, numa esquina de Paris, com a Françoise.
A minha mãe ria-se. O meu pai mostrava-me fotografias da Sylvie Vartan (e, pior ainda, da Mireille Mathieu) e gozava: “É por esta que estás apaixonado?”
Tinham razão, claro. Ela tinha 19 anos e eu ainda só tinha 9. Mas o que é uma diferença de dez anos, quando as pessoas se amam?
Eu não falava francês. E estava preso em casa por dois fanáticos que não me deixavam viajar.
Os crushes não são só crushes. Deixam sequelas. Deixei de amar Françoise Hardy, mas transferi as minhas atenções para raparigas com o mesmo corte de cabelo. Quando morreu recentemente outro crush meu, a Jane Birkin, lembrei-me que foi por arrasto da imagem da Françoise Hardy que comecei a gostar dela.
E continuo a achar que a música da Françoise Hardy era melhor do que a dos outros pop stars franceses.
Qualquer dia vou eu, e levo isso tudo comigo.
(Transcrito do PÚBLICO)