metropoles.com

À volta da aparelhagem (Por Miguel Esteves Cardoso)

Hoje cada um tem tudo no celular. E assim nunca é necessário adquirir o hábito – e até o gosto – de discutir

atualizado

Compartilhar notícia

Google News - Metrópoles
Reprodução/ Getty Images
Imagem colorida de uma pessoa mexendo no celular de noite - Metrópoles
1 de 1 Imagem colorida de uma pessoa mexendo no celular de noite - Metrópoles - Foto: Reprodução/ Getty Images

Se calhar, o mal é mesmo dos celulares – só que não da maneira como se pensa.

Tenho reparado, quando falo com jovens sobre séries, que não estão habituados a discutir.

Dizem se gostam, perguntam se gostei, e fica-se por aí. Não atacam nem se defendem. Não se esforçam por me convencer. E, sobretudo, não suspendem as opiniões, para ver se resistem às críticas, ou à apologia das opiniões contrárias. Dizem que não gostam de discussões, que são inúteis, que não mudam nada. Gostam das diferenças, mas só para aceitá-las ou rejeitá-las. Não gostam de falar delas. Não gostam da concorrência de ideias. Acham que é uma competição e que a competição só convém aos mais fortes, aos vencedores.

Mas o problema não é ideológico: é material.

Quando eu era jovem, os aparelhos que nos davam música e cinema – o estéreo, o televisor – eram forçosamente partilhados. Era preciso aprender a partilhar: a discutir, a propor, a ouvir e a ser capaz de negociar.

E, por ser preciso negociar, era preciso ouvir e ver o que os outros queriam ver e ouvir. Esta experiência prestava-se a desenvolver um espírito crítico – nem que fosse para dizer mal das escolhas dos outros.

Hoje cada um tem tudo no celular. Já não é preciso partilhar. Já não é preciso chegar a compromissos. Já não é preciso gramar as escolhas dos outros. E assim nunca é necessário adquirir o hábito – e até o gosto – de discutir.

Perante este luxo individualista – em que as nossas playlists são confidenciais, protegidas do olhar crítico dos outros – os jovens compensam com experiências coletivas de zero escolhas e comunidade forçada, como concertos e outros espetáculos.

Ou um ou mil: falta-lhes a experiência de dois, ou três, ou quatro, à volta de um único aparelho, querendo decidir como se vai ocupá-lo. Pode haver um princípio de discussão por causa do televisor da sala – mas nunca é grave, porque quem perde retira-se e vê o que quer no telemóvel.

Valerá mais o que se ganhou ou o que se perdeu?

 

(Transcrito do PÚBLICO)

Quais assuntos você deseja receber?

Ícone de sino para notificações

Parece que seu browser não está permitindo notificações. Siga os passos a baixo para habilitá-las:

1.

Ícone de ajustes do navegador

Mais opções no Google Chrome

2.

Ícone de configurações

Configurações

3.

Configurações do site

4.

Ícone de sino para notificações

Notificações

5.

Ícone de alternância ligado para notificações

Os sites podem pedir para enviar notificações

metropoles.comBlog do Noblat

Você quer ficar por dentro da coluna Blog do Noblat e receber notificações em tempo real?