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A velhice da Mulher Maravilha (por Tânia Fusco)

O passado não nos condena. Ensina.

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mulher maravilha pôster nacional brasileiro
1 de 1 mulher maravilha pôster nacional brasileiro - Foto: Warner Bros./Divulgação

Há uma multidão de mães, entre os 60 e 70 mais, carregando na mochila filhos chupins – do seu tempo livre, da sua disposição e da sua conta bancária.

A mãe brinca: o filho de 40 anos ainda frequenta a psicopedagoga – psicóloga e pedagoga, com formação em neurologia e neurolinguística.

Fora isso, o quarentão é um ótimo menino que segue sendo um menino, que ainda não aprendeu a sair das dificuldades por decisão e ação próprias.

Outra mãe reclama que não está muito bem. A filha reage: Isso não é nada! Muda de assunto e pede um favor. “Dá pra, hoje, levar e buscar a/o na escola?

Que avó, mesmo que podre, deixa de levar e buscar neta/o?

Ainda que ativas e independentes, mães aposentadas entram na categoria do Já-Que, que funciona como um mantra. Já-que… (você está aposentada), faça isso, aquilo e aquilo outro, e etc.

Velha, a mamãe perde o direito à vida própria, à agenda e à possibilidade de não estar bem, nem de dizer não.

Há mães que, na velhice, precisam meio que mendigar afetos e presença de filhos/as. Outros, porque muito ouvidos e respeitados na infância, devolvem às mamães idosas tratamento de iguais – mais para o desrespeitoso.

Outra multidão de mães, entre os 60 e 70 e mais, carrega na mochila filhos/as chupins – do seu tempo livre, da sua disposição e da sua conta bancária.

Esses meninos e essas meninas são ótimas pessoas que não souberam crescer. Ou desmamar.  Por N razões, ainda que muito acima dos 30, vivem na casa ou na cola e nas costas da mãe. Ou tudo junto.

Muitos, casados e com filhos, têm algum (ou muito) auxílio da mamãe, principalmente na manutenção dos filhos. E incomodam-se zero com isso.

Quem são esses meninos/meninas?

São filhos das Mulheres Maravilha. Uma tribo de filhas das moças que, nos anos 60, queimaram os sutiãs nas ruas. Protestavam contra a ditadura da beleza, dos corpos contidos em roupas apertadas, da obrigação dos corpos perfeitamente torneados e outras imposições mais.

(Seguimos brigando por isso. Mas, vamuquevamu, avançando. Sem desistir).

Aquelas moças dos sutiãs queimados eram feministas, claro!  E também hippies – participantes do movimento de contracultura que fazia barulho nas ruas, protestando contra as guerras (a do Vietnã, principalmente) e quase todo o socialmente estabelecido.

O movimento Hippie se opunha a qualquer forma de dominação, o conservadorismo, e o autoritarismo. Condenava a segregação racial, o machismo, o consumismo, a corrida armamentista, as armas nucleares e a Guerra Fria – capitalismo X comunismo, USA X União Soviética.

Desse imbróglio todo nasceram as Mulheres Maravilha – as MM que, deveriam ser, primeiro de tudo, independentes financeiramente. Também inteligentes, bem formadas e informadas, com casas e famílias muito bem administradas, saudáveis mães modernas de filhos igualmente saudáveis, bem protegidos, formados sem preconceitos, inteligentes e independentes. Fácil, né?

Sem sutiãs e de minissaias minimíssimas, com muita contradição, as MM tratavam do corpo e da mente, eram sexualmente ativas e ousadas. “Gostosas e boas de cama”, no dizer então.

Foram as maravilhosas Super Mulheres Maravilha que, entre outros atrevimentos, viraram a educação dos filhos de pernas pro ar. Trocaram tapas, castigos físicos e humilhações por muita conversa, liberdade de pensar, debater e opinar. Como se fosse possível, lutavam bravamente para evitar que suas crianças padecessem dos estragos das frustrações.

Diferente das belas, recatadas e do lar, dividiram com os pais, maridos ou não, o comando da casa e a função de prover a família. Há ainda uma multidão das que fizeram isso tudo sozinhas.

A maioria fez dos filhos ótimas pessoas. Mas com a certeza-certa: a mãe é aquela superpessoa que, de tão super, nem envelhece. É aquela que segura qualquer tranco, resolve qualquer pendenga, decide qualquer parada.  Se vira nos 30. Sem nunca precisar de ajuda.

Em muitos casos, e em todas as classes sociais, a Mãe-Mulher-Maravilha é também a eterna superpoderosa, que seguirá garantindo o bem estar físico e/ou financeiro e social de filhos/as. Eternamente.

Chupa que é de uva?

O tempo, esse inexorável, envelheceu as Mulheres Maravilha. Passaram dos 60. Capa, collant e botinhas estão surrados. A pele perdeu colágeno, o esqueleto está desgastado. Os cabelos estão brancos e cabeça já troca letras.

Pequena ou grande, aposentadoria foi programada para garantir descanso, paz, saúde e diversão no derradeiro tempo daquela que, justamente, por ser Mulher Maravilha, com ou sem parceiro, teve sempre carga maior no processo de criação dos filhos.

Não estava no script das MM carregar até a morte uma penca de adultos-crianças. Alguma coisa está fora da ordem.

Claro que não é regra geral. Claro que nem todas as MM encaram filhos/as adultos/as ainda na fila da psicopedagoga ou pendurados/as no carrinho do supermercado.

A velhice das MM está muito longe de ser um festival de dissabores. O passado não nos condena. Ensina. Segue boa a carreira de Mulher Maravilha. Mas alguma coisa pode ser ajustada no processo familiar de amar e proteger crianças e de modelar adultos felizes e justos, também mais seguros, mais proativos e independentes. De verdade.

 

Tânia Fusco é jornalista 

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