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A “ressurreição” do anticomunismo (Por Hubert Alquéres)

44% dos brasileiros consideram que o Brasil corre o risco de se transformar em um país comunista

atualizado

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Cadu Bruno / Metrópoles
Ato de campanha de Jair Bolsonaro em São Gonçalo, no Rio de Janeiro, onde levanta-se faixa que diz "Brasil não quer o comunismo". Na foto, eles comemoram usando verde e amarelo diante do palco com autoridades - Metrópoles
1 de 1 Ato de campanha de Jair Bolsonaro em São Gonçalo, no Rio de Janeiro, onde levanta-se faixa que diz "Brasil não quer o comunismo". Na foto, eles comemoram usando verde e amarelo diante do palco com autoridades - Metrópoles - Foto: Cadu Bruno / Metrópoles

O anticomunismo jamais deixou de existir no Brasil. Ora submerge nas camadas profundas da sociedade, ora vem à luz do dia, com uma eco nas massas. Tem sido assim desde os primórdios da Revolução Russa. Imaginava-se que, com o fim da “Pátria mãe do Socialismo” – a extinta União Soviética – ele havia desaparecido da face da terra e do Brasil. Ora, se o comunismo tinha deixado de existir, não havia mais sentido, nem base material, para o temor de sua implantação em nosso país.

Trinta e cinco anos depois da queda do Muro de Berlim – e 33 anos depois do fim do “socialismo real” no leste europeu -, o anticomunismo como fenômeno de massas volta a pintar com força por aqui. Segundo pesquisa do IPEC divulgada no último domingo, 44% dos brasileiros consideram que o Brasil corre o risco de se transformar em um país comunista. O risco está associado ao governo Lula, que de comunista não tem nada, mas é uma percepção razoavelmente consolidada.

Em 25 de dezembro de 2021 o Datafolha divulgou uma pesquisa na qual 44% temiam a implantação do comunismo entre nós, se Lula vencesse as eleições. Ou seja, mais de dois anos depois, os números dos dois institutos coincidem de forma absoluta. Convenhamos, é uma parcela expressiva da sociedade, quase a metade dos brasileiros e apenas cinco pontos abaixo da votação de Bolsonaro.

Como entender a “ressurreição” do anticomunismo entre nós?

A resposta mais simples, e errônea, é enxergá-la como uma manifestação do negacionismo similar à negação de que a terra é redonda, ou produto de uma lavagem cerebral. Em artigo publicado no portal UOL, o lulista Ricardo Kotscho foi por essa linha, tratando com sarcasmo a percepção desse enorme contingente de brasileiros, ao dizer que a pesquisa revela o que a “lavagem cerebral” das fake news da extrema direita pode fazer com a cabeça de um povo.

As razões, no entanto, podem ser bem mais profundas.

Ideologias sobrevivem mesmo quando as bases materiais que justificavam sua existência desaparecem. O fantasma do comunismo como regime totalitário ainda ronda o mundo, para usar a expressão utilizada por Karl Marx no Manifesto Comunista de 1848. Mas, para além da resiliência das ideologias, existem outras explicações.

Não estamos diante de um fenômeno meramente nacional. Ele está associado à emergência da ultradireita em escala mundial. O anticomunismo é uma marca do trumpismo nos Estados Unidos e se manifesta com força em vários países da Europa. Na vizinha Argentina, o candidato antissistema Javier Milei empunhou a bandeira do anticomunismo e ameaça a hegemonia dos partidos tradicionais na disputa presidencial de outubro. O quanto isto tem a ver com os efeitos perversos da globalização ainda está para receber uma resposta das ciências políticas.

É preciso analisar o que há de específico no nosso caso. Sem sombra de dúvidas a emergência do anticomunismo nos dias atuais tem tudo a ver com o fenômeno Bolsonaro, porta-voz de um passadismo reacionário. Certamente foi o catalisador dessa onda. O elemento que fez vir à tona sentimentos e valores até então submersos nas placas tectônicas de nossa sociedade.

Qual o imaginário do comunismo, na percepção dos que temem sua implantação no Brasil? Segundo a cientista Camila Rocha, do Cebrap “a maior parte das pessoas associa o comunismo na América Latina a Venezuela e Cuba, combinações de um regime autoritário e realidades com fome e desabastecimento”. Nesse rol está também a Nicarágua. A ausência de uma posição firme e clara de Lula de crítica às ditaduras de esquerda alimenta a percepção desse segmento de brasileiros.

Um outro fator diz respeito aos valores, particularmente os da família e o da propriedade. Seu peso é muito nítido quando se leva em consideração um dado importante da pesquisa IPEC. No universo evangélico, o receio de o Brasil virar um país comunista sobe para 57%, ou seja 13% a mais do que a média nacional.  A exacerbação das bandeiras identitárias, principalmente as relacionadas aos costumes, provavelmente contribui para esse sentimento entre os evangélicos, como se o tal comunismo fosse uma ameaça iminente à estrutura familiar convencional.

E invasões recentes de terra, como as das fazendas da empresa Suzano pelo MST, findam por contribuir também para o temor dessas camadas, embora não deva ser subestimado o papel das fake news na disseminação do anticomunismo na sociedade.

Mas seria um erro nivelar anticomunismo e conservadorismo, como se fossem sinônimos ou irmãos siameses. Em uma sociedade democrática o conservadorismo é tão legítimo quanto o pensamento progressista. O corte real é entre autoritarismo, de “direita” ou de “esquerda”, e democracia.

Nesse contexto, seria mais prudente definir os evangélicos como conservadores e estabelecer com eles um diálogo, tendo como base o respeito aos seus valores e uma nova abordagem sobre o papel que desempenham no acolhimento de vulneráveis, operando como um “estado de bem estar” paralelo, e de fortalecimento dos vínculos familiares.

Há de se ter muito cuidado ao se ler a alma dos brasileiros para não os rotular de forma injusta. A mesma pesquisa do IPEC que mostrou a resiliência do anticomunismo também apontou que 57% das pessoas gostariam que o Brasil tivesse a opção de uma terceira via para evitar a polarização política.

Desarmar a armadilha da polarização esquerda/direita é o melhor caminho para espantar o fantasma do comunismo que anda rondando a cabeça do brasileiro.

 

Hubert Alquéres é membro da Academia Paulista de Educação, da Câmara Brasileira do Livro e do Conselho Estadual de Educação. Diretor do Colégio Bandeirantes e do Instituto Mauá de Tecnologia, foi Secretário de Educação do Estado de São Paulo e professor na Escola Politécnica da USP.

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