A reforma das forças armadas (por André Gustavo Stumpf)
A Marinha vai perder neste ano 40% de sua frota
atualizado
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Em novembro de 1975, o Exército cubano enviou três navios (Vietnam Heroico, Coral Island e La Plata) para o sul da África com cerca de dez mil soldados, equipamentos e paramédicos, que desembarcaram em Ponta Negra, no Congo Brazaville, e na cidade de Porto Amboim, em Angola. O objetivo era defender Luanda e Cabinda que estavam cercadas pelas modernas e eficientes tropas da África do Sul, naquela época país que adotava o apartheid. O objetivo dos cubanos era proteger a independência de Angola.
O Brasil, então governado pelo general Ernesto Geisel, colaborou enviando dois navios com gêneros alimentícios, fornecidos por uma grande rede brasileira de supermercados. Ajudaram a manter a população de Luanda razoavelmente abastecida. O governo militar brasileiro, com sua visão pragmática, aliou-se aos cubanos comunistas para defender o amigo do outro lado do Atlântico.
Os cubanos em pouco mais de um mês expulsaram as tropas da África do sul e garantiram a Independência de Angola. Com deste feito memorável, demonstraram incrível capacidade de mobilização de seu exército. Em alguns dias colocaram cerca de dez mil soldados, equipamentos e toda a parafernália necessária para operação deste tamanho em território inimigo, com inegável sucesso. Eram outros tempos. Hoje, o exército cubano não é sombra do que já foi. Acabou o dinheiro.
Esta é a medida de determinar a capacidade de um Exército. Sua eficiência em perceber o problema e a eficácia em resolve-lo. Os cubanos, naquela época, deram um exemplo capaz de assustar até o general mais cético. Ao contrário, os russos, herdeiros do formidável Exército Vermelho, demonstraram na guerra da Ucrânia estarem longe da melhor forma. Buscaram soldados na Coréia do Norte, equipamentos no Irã e na China, e o conflito imaginado para durar três ou quatro semanas vai comemorar seu terceiro aniversário. As forças de Moscou estão muito longe da vitória definitiva. Devem se contentar com um acordo diplomático razoável.
No caso brasileiro há um detalhe intrigante. A quantidade de golpes de estado ao longo do século vinte organizados por militares da ativa é de chamar atenção. Não vou relacioná-los porque são muitos. Este processo culminou com a tentativa do ex-presidente Bolsonaro e seus amigos de simplesmente cancelar a eleição presidencial, matar o presidente, o vice-presidente e um ministro do Supremo Tribunal Federal, além de prender outros. Projeto audacioso e amalucado, típico de país sul-americano plantador de bananas.
Trata-se de um bom momento para repensar a função das Forças Armadas no Brasil. Não há que fazer ligação entre reforma e corte de gastos. São iniciativas diversas. O Exército brasileiro, em tempos de paz, é composto por um efetivo de 296.334 homens e mulheres, um quarto a mais do que os 222.869 atuais. É muita gente. Porém o Exército não utiliza equipamento específicos para enfrentar os rigores da guerra moderna. Não possui drones, que são aqueles equipamentos baratos que o Irã fornece à Rússia. Seriam ótimos para vigiar a nossa extensa fronteira seca. A força terrestre não opera sequer rede de internet que ligue todos os postos no território nacional. Toda a comunicação passa por satélites de empresas estrangeiras. Também não possui uma tropa de deslocamento rápido.
Na Espanha, logo após a redemocratização, depois da queda do ditador Francisco Franco, foi realizada profunda reorganização das forças armadas. Nas escolas militares acabaram com o conceito de inimigo interno. Parece pouco, mas não é. Boa parte do Exército brasileiro foi organizado em torno da experiência francesa da guerra na Argélia. Eles criaram o conceito de guerra subversiva, de perseguir o inimigo dentro de casa, além de introduzir técnicas de tortura e de produzir noticiário falso para sensibilizar a população. Voltar as forças militares para sua função básica e principal de defender as fronteiras, muda a diretriz de sua atuação. O governo do país é assunto dos civis, a exemplo do que acontece nos Estados Unidos, na Inglaterra ou na França.
A Aeronáutica brasileira possui 715 aviões, dos quais apenas oito Grippen estão em condições de combate. O governo brasileiro comprou 32, mas eles estão sendo montados a passos de tartaruga porque os pagamentos também estão atrasados. Se o imprevisível Maduro decidir atacar o norte do Brasil estaremos em grande dificuldade. Faltam aviões. Tanto que os brigadeiros estão cogitando comprar alguns F-16 usados para melhorar a defesa do país. A Marinha com efetivo de 81.040 homens e mulheres está bastante danificada. Tenta concluir a construção do submarino nuclear, mas vai perder neste ano 40% de sua frota, por idade e desgaste de material. As costas brasileiras estão desprotegidas. Há muito o que fazer na área militar para reduzir gastos e elevar a eficiência.
André Gustavo Stumpf, jornalista (andregustavo10@terra.com.br)