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A queda de Assad: quando a festa acabar… (Carlos Blanco de Morais)

Tarde ou cedo, o Exército Nacional Sírio pró-turco, o Tharir al Shame outros extremistas islâmicos vão guerrear-se na Síria

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Ali Haj Suleiman/Getty Images
Sírios posam com uma estátua vandalizada de Hafez al-Assad, pai de Bashar al-Assad, na Praça Umayyad
1 de 1 Sírios posam com uma estátua vandalizada de Hafez al-Assad, pai de Bashar al-Assad, na Praça Umayyad - Foto: Ali Haj Suleiman/Getty Images

Em semanas caiu, como um castelo de cartas a ditadura do Partido Baath na Síria, no poder há 61 anos, às mãos de uma “salada de frutas” oposicionista de milícias pró-turcas e uma constelação de radicais islâmicos, onde sobressai o Hayat Tharir al Sham, com apoio de uma psicodélica coligação de interesses turcos, americanos, sauditas e israelitas.

É paradoxal que a Rússia, que evitou a queda de Assad em 2014 às mãos do Daesh (Estado Islâmico) e que continuou a apoiar o regime, não tenha detectado a preparação da ofensiva lançada pelos rebeldes sobre Alepo, a partir de Idlib, e a posterior ação concertada de combatentes por todo o país. Tão pouco visualizou a desmoralização dos militares que desertaram e fugiram em massa.

Vencedores e derrotados. Ganham, momentaneamente, Israel (que faz recuar o Irão das suas fronteiras e deixa um enfraquecido Hezbolah, órfão e sem retaguarda); a Turquia (que criará um protetorado na parte norte Síria); os sauditas (que fazem recuar o Irão que defendia a derrubada minoria alawita; e os Estados Unidos (porque a Rússia perde um importante aliado).

Perdem o Líbano (um sub-protetorado sírio-iraniano); os cristãos sírios (que apoiaram Assad como seguro de sobrevivência); os curdos (expostos ao revanchismo militar turco); o Irã (que empenhou forças no combate, perde um aliado e fica sem comunicação direta com o Hezbolah no Líbano) e a Rússia. Moscou, mergulhado no conflito da Ucrânia, descurou a frente síria e poderá vir a ficar sem a sua base aérea de Latakia e sem a sua base naval em Tartous, baluarte da sua frota no Mediterrâneo e plataforma das suas aventuras africanas nos países do Sahel, de onde logrou expulsar os franceses. Se bem que a Rússia necessite de aliados, a queda de um regime sanguinário como o de Assad demonstra que nem sempre compensa apoiar tiranos odiosos, como Maduro na Venezuela, Ortega na Nicarágua e Kim Jong-Un na Coreia.

Retorno aos erros estratégicos de sempre? A guerra civil na Síria resultou da desastrosa política anglo-americana e francesa de incentivo às fracassadas “primaveras árabes”, espoletadas há mais de uma década, em que a imposição da democracia pela “lei da canhoneira” destruiu vidas e países laicos como o Afeganistão, o Iraque, Líbia e a Síria, provocando um êxodo de refugiados para ocidente.

Os americanos parecem apostados em repetir os erros históricos cometidos no Afeganistão, quando armaram Bin Laden contra a ocupação soviética. Agora na Síria, a CIA apoia o Hayat Thair al Sham, antiga Al Nusra (então ramo da Al Quaeda) por decisão de um establishment opaco que opera à margem de um presidente errante. Já Israel (na lógica de “o inimigo do meu inimigo meu amigo é”) apoiou o Hamas contra a Fatah e transformou o primeiro num adversário muito mais letal, como provaram os massacres terroristas de 7 de outubro de 2023. Agora, parece jogar de novo à roleta russa, apostando em extremistas islâmicos que, a prazo, poderão ser ainda mais perigosos do que o Hamas.

Tarde ou cedo, depois de um frágil governo de “unidade” atamancado pela ONU vir a assumir o poder em Damasco, o Exército Nacional Sírio pró-turco, o poderoso Tharir al Sham, os restantes extremistas islâmicos, os curdos, os drusos e os alawitas órfãos de Assad irão guerrear-se e a Síria cará ainda mais balcanizada do que hoje. O conflito poderá alargar-se ao Líbano e Iraque e o Daesh terá espaço para ressurgir neste caos.

Entretanto, na União Europeia… Na Europa celebra-se, com Macron à cabeça, a queda da ditadura, no meio de saques ao Banco Central e de apelos de chefes rebeldes (de barba aparada) para que não se decapitem prisioneiros. Por ora, a festa é boa (pá!), há exilados que pretendem regressar e a ONU quer que o Hayat Tharir al Sham deixe o elenco das organizações terroristas. Mas, com uma expectável vaga massiva de refugiados, a Europa, debilitada política e economicamente, dirigida por líderes de terceira categoria no motor franco-alemão, atada aos seus compromissos “humanistas” sobre asilo e com partidos anti-imigração em alta, poderá ser outra derrotada deste tresloucado jogo de xadrez.

 

(Transcrito do PÚBLICO)

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