A professora grávida (Por Miguel Esteves Cardoso)
As habilitações para criar um pequeno ser humano não poderiam ser mais simples: ter engravidado. Ter engravidado chega
atualizado
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Quando falamos da nossa educação, falamos dos nossos pais. Os professores vêm depois. Numa aula, cada criança está protegida pela multidão de outras crianças. O professor, por muito mau que seja, não chega para todos. Mas é em casa que somos educados. Dantes, eu pensava que só eu e os meus irmãos tínhamos sido criados por dois malucos — a maluca da minha mãe, Diana, e o maluco do meu pai, Joaquim.
Mas hoje percebo que é excepcional não ter tido pelo menos um maluco como pai ou mãe e que a grande maioria dos meus amigos foi criada conforme a tradição mais antiga, por dois malucos. Se são malucos que nos amam ou não, é uma questão à parte. Eu tive sorte: os meus amavam-me e eu, também, sempre os amei. Mas o amor é o cúmplice número 1 da maluqueira: autoriza-a e justifica-a até à exaustão.
Qual é a criança que não foi submetida a uma maluqueira qualquer e depois recebe, como consolação, a desculpa que “foi por amor”.
Ao assistir aos debates sobre as habilitações dos nossos professores, ocorreu-me esta pergunta: e quais são as competências que se exigem aos pais, para poderem educar uma criança? As habilitações para criar um pequeno ser humano não poderiam ser mais simples: ter engravidado. Ter engravidado chega.
A mulher que ficou grávida e o homem que a engravidou passaram, só por terem engravidado, todos os exames necessários para poder educar um infante. De um segundo para o outro, qualquer maluca capaz de ficar grávida e qualquer maluco capaz de a engravidar tornam-se mãe e pai.
Tornam-se as pessoas mais importantes do mundo para aquele recém-nascido. E esse pobre diabo, que desde o momento da concepção já é vítima do Euromilhões da genética, cai sob a alçada da Sra. e do Sr. Incompetente da Silva, a quem são confiadas todas as tarefas de formação.
É o cúmulo da irresponsabilidade. É o que faria um dramaturgo desinspirado que precisasse de gerar comédias e tragédias automaticamente. Explica muita coisa, não explica?
(Transcrito do PÚBLICO)