A política que mata (por Mary Zaidan)
Sob Bolsonaro, violência contra adversários cresce 335%
atualizado
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O Brasil é um país violento. Responde por 20,4% dos homicídios do planeta embora abrigue apenas 2,7% da população mundial, segundo dados do Escritório das Nações Unidas para Crimes e Drogas (Unodoc). Em números absolutos, lidera o macabro ranking de mais de 48 mil homicídios contra os 40,6 mil do segundo colocado, a Índia, com os seus 1,3 bilhão de habitantes. É um país que mata seus jovens, a maioria negros; que escurraça, violenta e mata mulheres e LGBTQIA+s. E cada vez mais agride e mata por motivação política. Não raro, com incentivo oficial para a violência.
Nos últimos três anos, a violência política cresceu 335%, com 1.209 ataques do tipo entre janeiro de 2019 e junho deste ano, de acordo com o levantamento realizado pelo Observatório da Violência Política e Eleitoral da UniRio. Só nos primeiros seis meses de 2022, 40 lideranças políticas foram assassinadas. Em 2020, quando se disputaram as eleições municipais, 85 candidatos a vereador, prefeito e vice foram mortos.
Portanto, as 15 facadas desferidas pelo bolsonarista Rafael de Oliveira, que na última quinta-feira deram fim à vida do petista Benedito Cardoso dos Santos, em Confresa, a mais de mil quilômetros de Cuiabá, estão longe de ser um caso isolado. São resultado da política de ódio, que, mesmo não tendo sido inventada pelo presidente Jair Bolsonaro, foi oficializada por ele. Insere-se aqui sua obsessão por armas de fogo, que na sua cabeça doentia podem ser utilizadas pela população não só para segurança pessoal, mas também para “preservação da democracia”.
Casos recentes como o assassinato de Foz de Iguaçu, quando o bolsonarista Jorge José Guaranho matou a tiros o aniversariante petista Marcelo Aloizio de Arruda, e o de Davi Augusto de Souza, baleado nas pernas pelo PM Vitor da Silva Lopes, por discordar da pregação política pró-Bolsonaro do pastor da Congregação Cristã do Brasil de Goiânia, são produtos dessa cultura. E, perigosamente, eles têm sido tratados pelas polícias locais como rivalidades “normais”, brigas como quaisquer outras, crimes torpes, mas sem motivação política – estranha característica comum que une esses últimos três episódios.
Embora a lei não trate especificamente o crime por motivação política, as ocorrências enquadradas neste tópico têm penas mais graves, qualificadas no artigo 121 do Código Penal. Adicionalmente, impõem danos aos políticos da mesma linhagem dos agressores. Isso pode explicar os pudores – para não dizer adesismo – das polícias em vincular à política os assassinatos e agressões obviamente políticos.
Para agravar o que não poderia ser mais grave, tem-se a impunidade. O assassinato da vereadora Marielle Franco (PSOL), em março de 2018, continua sem solução há mais de 1.600 dias. Na Bahia, a morte do mestre de capoeira Moa do Catendê, em outubro do mesmo ano, foi apontada como crime político, mas o esfaqueador, Paulo Sérgio Ferreira de Santana, ainda não foi julgado.
Bolsonaro não dá um pio quanto ao recrudescimento da violência política. A única ocorrência que ele inclui nesse rol é o atentado a faca do qual foi vítima em 2018, em Juiz de Fora. A investigação – virada e revirada – aponta que o culpado Adélio Bispo, cumprindo pena na Penitenciária Federal de Campo Grande (MT), tem problemas mentais. Bolsonaro discorda e insiste em associar o ato a uma conspiração da esquerda.
Quisera que a reação de Bolsonaro fosse apenas o silêncio. No dia seguinte ao esfaqueamento do petista Benedito pelo bolsonarista Rafael, o presidente aumentou o tom do enfrentamento. Tratou o PT como “praga” a ser “varrida para o lixo”. Praticamente repetiu o Lula de 2010, que pretendia “extirpar o DEM da política brasileira”. Incentivadores da divisão da sociedade – “nós versus eles”, “bons versus maus” -, ambos exibem absoluto desprezo pela democracia, que pressupõe respeito ao contraditório e aos adversários. Sem isso, a violência grassa.
Mary Zaidan é jornalista