A pesquisa do BID sobre confiança no Brasil (por Ricardo Guedes)
Os resultados da pesquisa são contundentes: o Brasil é o país onde menos uma pessoa confia nas outras, somente 4,7% da população
atualizado
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Como pesquisador há mais de 30 anos, há muito não me impressiono tanto com os resultados de uma pesquisa. A pesquisa do BID sobre confiança no Brasil e na America Latina traz dados alarmantes sobre o que poderíamos chamar de o “tecido social”, como base para o funcionamento das sociedades modernas.
O Brasil completa neste ano 200 anos de sua Independência, com tristes notícias sobre o país e seu povo. O problema de nossa história recente começa quando Dom João VI chega ao Rio de Janeiro em 1808 e expropria um grande número de propriedades das então existentes, deslocando sua população para a formação inicial das favelas. A Independência em 1822 parece ter sido mais por conveniência da Corte Real do que à percepção de formação de uma nova nação, com a recomendação de Dom João VI ao deixar o Brasil a seu filho Dom Pedro I de que “tome a Coroa, antes que um aventureiro lance mão”. A Proclamação da República em 1889 constituiu-se mais em uma substituição de elites do que na refundação de um país. E assim vamos, com altos e baixos. Políticos que nos deram como Getúlio, Juscelino, Tancredo, Fernando Henrique e Lula, e que nos subtraíram, como Lacerda, Jânio e Bolsonaro.
Os resultados da pesquisa BID são contundentes: o Brasil é o país onde menos uma pessoa confia nas outras, somente 4,7% da população, indicado como um dos empecilhos ao desenvolvimento. A média mundial é de 25%, dos países da OCDE 41%, Uruguai 21%, México 18%, Argentina 16%, Venezuela em penúltimo lugar com 5,1%. Como construir e seguir com um país onde somente 4,7% da população confia em outras pessoas?
Nas Ciências Sociais contemporânea, é unânime o consenso sobre a confiança, em vários sentidos, para o funcionamento das sociedades. Adam Smith, em a Riqueza das Nações, cita que “uma sociedade livre e uma economia livre se baseiam na confiança entre os indivíduos”. Rousseau, em seus argumentos pela democracia em o Contrato Social, diz que “cada um de nós deve colocar a sua pessoa e todo o seu poder dentro da suprema direção da vontade geral”. Durkheim, na Divisão Social do Trabalho, fala sobre as funções orgânicas e mecânicas, na analogia com o corpo humano, que dão a liga da organicidade social. Marx, no Manifesto, discorre sobre a “consciência de classe” que une classes opostas segundo seus interesses, na tendência futura da unicidade social na solução da luta de classes. Weber, em Economia e Sociedade, indica três tipos de lideranças e sociedades, a tradicional, a burocrática, e a carismática, cada qual alicerçada na crença e valores das ações dos indivíduos. Em todas as teorias estão presentes as bases para o consenso, o dissenso, a ruptura, e a mudança, mas a confiança é a base mínima para o bom funcionamento das sociedades modernas.
Para o brasileiro, o Brasil é o “país do futuro”, que parece que nunca chega. Triste a situação onde somente 4,7% se confiam uns aos outros.
Ricardo Guedes é Ph.D. pela Universidade de Chicago e CEO da Sensus