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A necessidade da politica (por Gustavo Krause)

Neste breve percurso histórico, o aprendizado que fica é a Política como uma necessidade existencial para a vida em sociedade

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Beatriz Queiroz/Metrópoles
Escola Classe 66, em Ceiländia (DF), durante votação nas Eleições 2022
1 de 1 Escola Classe 66, em Ceiländia (DF), durante votação nas Eleições 2022 - Foto: Beatriz Queiroz/Metrópoles

Domingo passado (06/10/24), 155.913.680 eleitores dos 5.569 municípios em todo país estavam aptos a votar para escolher candidatas e candidatos ao cargo de prefeito e vereador. Eu era um deles nesta multidão de pessoas que colocam o Brasil como a quarta democracia do mundo.

Resolvi votar desacompanhado. Os serviços do Uber resolveram o problema do deslocamento para a 008 zona eleitoral, secção 0124, situada no mesmo bairro do meu domicílio. Logo cedo, cumpri meu dever cívico, embora dele liberado por implemento da idade.

Durante trajetória, recorri à memória na concepção de Santo Agostinho que considerava “um diálogo silencioso da alma consigo mesma”. Entre o período do regime militar (1964/1985) e a plenitude democrática, instaurada pela Constituição de 1988, vivi a experiência de vários pleitos, cada um a seu tempo e circunstância, inclusive, meu primeiro voto na eleição direta para Governador de Pernambuco, em 1982, sufragou a chapa eleita como candidato a Vice-Governador de Roberto Magalhães, um Governador exemplar.

Ao longo de cinco décadas de vida pública, testemunhei turbulências e transformações que, a despeito das imperfeições, a “democracia deficiente” do Brasil (assim classificada pela Democracy Matrix da Universidade de Würtzburg), demonstrou incomparável resistência, capacidade de superação de crises e  enfrentamento à ameaça real de ruptura institucional.

Enquanto me dirigia à cabine de votação, fluiu caudaloso passado. Nas ruas, reinava uma normalidade silenciosa que podia ser decifrada como um tributo às convicções e o respeito às escolhas político-partidárias que embelezam e fortalecem a convivência entre divergentes. A paisagem revelava o pluralismo social, reafirmando que o antagonismo é fecundo e o governo das leis impõe limites.

Rebuscar os escaninhos do passado evidenciou o impacto da celeridade no processo de votação e os benefícios do bom uso da tecnologia digital. Diante de gentil mesária, fui indagado: – prefere se identificar com aplicativo, o e-título, ou a carteira de identidade? Semianalfabeto digital, confesso que me senti integrado ao novo mundo e à esperança de que a IA e seus descendentes sejam utilizados para tornar o mundo melhor.

O próximo passo foi o encontro triunfal com a urna eletrônica que provoca a saudosa ira dos beneficiários do voto de cabresto e das eleições de bico de pena com as descaradas fraudes das atas eleitorais. Na saída, ao cumprimentar a mesária, percebi que estava diante do grande avanço: o voto feminino que completou 92 anos (Código Eleitoral de 1932), hoje, majoritário na composição do eleitorado e com expressiva evolução na participação e no exercício do poder

Neste sentido, a Revolução de 1930 acelerou as mudanças no processo eleitoral e, no caso do mencionado voto feminino, cabe relembrar o papel de Bertha Lutz (1894-1976), a maior líder na luta do voto das mulheres e a proeza de Alzira Soriano (1896-1963), ao se antecipar ao direito de votar, foi a primeira prefeita eleita      num município na América Latina, em 1928, Lajes, no Rio Grande do Norte, antes do decreto 21.076 de 24 de fevereiro de 1932 do então Presidente Getúlio Vargas, graças à Lei Estadual 660 de 1927 do RGN, primeiro estado a estabelecer a não distinção do sexo para o exercício do voto.

Com a Constituição de 1988, a inclusão dos analfabetos ampliou o colégio eleitoral. Universalizou, de fato e de direito, o sufrágio. Encerrada a apuração, o país de dimensão continental, em poucas horas, concluiu a contagem dos votos. Um grande feito. Beleza! Porém, a delinquência, também, busca caminhos sofisticados a exigir mecanismos de segurança cibernética e respostas rápidas para prevenir e punir a corrupção eleitoral, limitar o poder econômico e eliminar o uso devastador da falsa notícia.

Concluída minha tranquila tarefa cívica, vieram à tona as distorções do sistema político e as cenas constrangedoras do desrespeito e as agressões ao debate civilizado ao longo da competição democrática. Para as disfuncionalidades do sistema, cabe a coragem de reformar; para os delinquentes, a severa a punição prevista pelas regras do jogo.

Neste breve percurso histórico, o aprendizado que fica é a Política como uma necessidade existencial para a vida em sociedade, especialmente como firme rejeição ao discurso da antipolítica. Nos Fragmentos das “Obras póstumas” (Rio de Janeiro: Bertrand Russel, 1998) “O que é política?” Hannah Arendt faz algumas notáveis afirmações: “O sentido da política é a liberdade […] A política baseia-se na pluralidade de homens […] Trata da convivência entre diferentes […] Organiza de antemão as diversidades absolutas de acordo com uma igualdade relativa e em contrapartida às diferenças relativas […]”. Por conta de uma vida marcada pela discriminação e efeitos devastadores da guerra, Arendt confere grande valor à vida como um dos grandes ideais da política em face do enorme de poder de destruição que os estados modernos detêm.

A rigor, na lúcida percepção do eminente intelectual e homem público Afonso Arinos de Mello Franco, tendo o bem comum como o objetivo final da Política, “Não há, então, Política boa ou má: o que há é a Política e a não-Política”.

 

Gustavo Krause foi ministro da Fazenda 

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