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A morte da política (Por Miguel de Almeida)

Para chegar ao segundo turno, Ciro Gomes posará de gentil, delicado, cheio de emoção, quase um docinho de coco

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1 de 1 imagem colorida de campanha eleitoral - Foto: Arte/Metrópoles

O que matou a política? Virou moda acusar as redes sociais pela intolerância e pela visão binária da realidade: Bozo ou Lula? Esquerda ou direita?

Há um engano aí.

Antes da tragédia Facebook e agregados, existiu o marketing político. As pesquisas qualitativas, quando se testam temas e reações de grupos de eleitores, levaram os marqueteiros a polir seus candidatos rumo a inesperadas (e indesejáveis, digo eu) vitórias.

Em poucos exemplos, as catástrofes: Paulo Maluf na prefeitura de São Paulo; Lula, Collor e Bozo na Presidência da República. E, principalmente, a eleição para o segundo mandato de Dilma Rousseff.

O marketing político forjou o personagem Lulinha Paz e Amor, além de sua Carta aos Brasileiros. Levou José Serra a ter posição dúbia sobre o aborto e Marta Suplicy a levantar dúvidas sobre a orientação sexual de Kassab. Políticos de centro-esquerda, por causa de oportunistas pesquisas eleitorais, terminaram na direita. Tudo pelo voto, mesmo que a biografia fosse jogada no lixo. Perderam as eleições de quatro.

Em casos recentes, que jamais devemos esquecer, ocorreu o BolsoDoria (responsável pela vitória de João Doria em São Paulo). Ou a relutância de Eduardo Leite em reconhecer o Bozo como um desastre em tempo real. E a juntar num spot político (perceba a ideia de jerico) Chico Buarque e Sérgio Reis! — como se fossem irmãos siameses e houvesse lugar para questionar a circunferência da Terra. Coisa de marqueteiro.

O marketing político convenceu os candidatos sem espinha vertebral de que uma eleição não é um processo político em que são discutidas ideias e confrontadas propostas. Até algumas décadas atrás, qualquer pleito era encarado como um momento em que se punham a circular soluções ou abordagens para problemas e modalidades de gestão. Mesmo que fossem derrotados, deixavam como rescaldo abordagens ou críticas vigorosas; o processo eleitoral enriquecia a política.

Tal complexidade levava os candidatos a ser mais preparados, se viam obrigados ao menos a saber somar. Instrução que passa longe do Bozo (-5% + 4% igual a 9%!!!). Basta ver a distância intelectual (e moral) de dois tipos da direita, também presidentes de Casas Legislativas, como Marco Maciel e Arthur Lira. Enquanto o primeiro estaria para Modigliani (com sua figura esguia), o segundo se encontra mais para Romero Britto (com sua esperteza de Corisco).

O método do marqueteiro político conduz as campanhas a levantar — ou testar — determinados temas, quase sempre a partir de grupos tidos como qualificados (uma pequena amostragem do eleitorado). A reação positiva ou negativa leva ao abandono ou à aquisição de assuntos — os candidatos chamam de propostas, o que é uma balela. São mistificações.

Temas polêmicos ou indesejáveis são, dessa maneira, afastados da plateia. E, se questionados, estarão preparados para enrolar ou mentir.

(Nem todos, é claro. Mário Covas chutava os marqueteiros que sugeriam a ele trocar seus óculos de engenheiro ou se afastar de temas controversos. Mesmo contra a tendência das pesquisas, se recusou a propor a privatização do Banespa ou a defender o instituto da reeleição. Mas Covas era Covas e, assim, bateu Maluf no estranho papel de bom ge$tor forjado por Duda Mendonça, o pai da petista Carta aos Brasileiros. Olha a direita e a esquerda aí, gente.)

Em seu novo livro, “If Then: How the Simulmatics Corporation Invented the Future”, Jill Lepore conta como a empresa Simulmatics usou pesquisas e (veja só) algoritmos para ganhar a eleição de John Kennedy sobre Richard Nixon. Foram pioneiros. O marketing político ajudou o candidato democrata a descobrir temas de agrado do eleitorado, também como se apresentar (corte de cabelo, sorriso, espontaneidade) e quais tipos de propostas impactariam diferentes grupos organizados. Quem votou naquele garotão bonito, amante de Marilyn Monroe, ganhou a Guerra do Vietnã de presente. (Olho vivo, porque o velhinho simpático que é Joe Biden está louco por um conflito armado.)

Como corolário, além de desidratar (emascular?) a política, o marketing produziu a banalização das visões da prática pública. A esquerda inventa, a direita copia. Ou vice-versa. Bozo e Guedes, que odeiam pobre, ambos de extrema direita, darão o sangue para dar musculatura ao Bolsa Família de Lula, visto como de esquerda, que tomou o programa de FH, apresentado como de direita pelos petistas do petrolão.

Ou Alcolumbre, da direita amazônica, cuja recusa em dar andamento à indicação de André Mendonça para o STF repete o ultradireitista Mitch McConnell, que se negou a colocar em votação o nome proposto por Barack Obama à Suprema Corte.

Façam suas apostas: para chegar ao segundo turno, e ficar longe da acidez de Lula e Bozo, Ciro Gomes, instruído por seu marqueteiro (João Santana, um dos responsáveis pela ascensão do Bozo), posará de gentil, delicado, cheio de emoção, quase um docinho de coco.

(Transcrito de O Globo)

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