metropoles.com

A mãe de todas as bombas (por Felipe Sampaio)

A desigualdade é o maior mecanismo de devastação inventado até hoje

atualizado

Compartilhar notícia

Google News - Metrópoles
Wolfgang Schwan/Anadolu Agency via Getty Images
destruição após bombardeios e mísseis russos em curso em Kharkiv, Ucrânia
1 de 1 destruição após bombardeios e mísseis russos em curso em Kharkiv, Ucrânia - Foto: Wolfgang Schwan/Anadolu Agency via Getty Images

O ponto central do debate sobre as diferentes tragédias sociais em todas as épocas foi sintetizado por Jeffrey Sachs: “Todos os anos mais de 8 milhões de pessoas morrem no mundo por causa da miséria” (O Fim da Pobreza).

Nesse cenário, fica engraçado o hábito de se atribuir uma mãe a todo problema que acomete a humanidade. Reparem que, no caso do telefone, avião, luz elétrica e outras boas novas, nomeia-se um pai.

Enquanto isso, tragédia só tem mãe. Por exemplo, pandemias, guerras e bombas têm “a mãe” e essa maternidade superlativa se renova de tempos em tempos. São recorrentes as “mães de todas as guerras” (provocadas por homens) e as “mães de todas as pestes” desde a lepra até a Covid-19.

Porém, a mãe que mais evoluiu foi a das bombas. No séc. XVI canhões chineses lançaram as primeiras “mães de todas as bombas”. Não havia muralha que resistisse a tanta mãe. Os espanhóis e os turcos também tiveram suas próprias mães (de todas as bombas) disparadas por canhões gigantes.

As últimas balas de canhão de porte descomunal foram usadas na I Guerra Mundial (outra “mãe de todas as guerras”). Depois de então, os artefatos mais destrutivos passaram a ser despejados de aviões.

Foi o caso da bomba atômica, a mais poderosa “mãe de todas as bombas” já usada em um conflito. Curioso é que essa mãe das bombas recebeu um nome inocente, de filho – “Fat Boy” – pelo seu design rechonchudo. Enquanto isso, o piloto que a lançou sobre Hiroshima escreveu na fuselagem do seu B-29 o nome da sua mãe – “Enola Gay”.

Após tantas candidatas nucleares terem enferrujado nos mísseis da Guerra Fria, a última “mãe de todas as bombas”, lançada em uma operação militar, acabou sendo um dispositivo convencional norte americano, a MOAB, jogada sobre o Afeganistão numa demonstração de força do presidente Trump.

Entre tantas mães explosivas, seria razoável encontrarmos um pai à altura. Para poupar uma busca improdutiva pelos possíveis pais de cada bomba em sua época, podemos refletir sobre a hipótese de haver um único “pai de todas as bombas”.

E, antes que alguém, por distração ou vontade, resolva atribuir tal título de genitor universal a algum canhão, um avião, ou talvez um cientista, vale a pena considerar que o pai de todas essas bombas pode ser, também, pai de uma prole maior, incluindo a pobreza, a fome, aquecimento global, criminalidade e o racismo.

Desvendar paternidade nunca é tarefa fácil, porque os pais que não assumem seu ato disfarçam-se de formas sutis. Além do mais, para o tipo de ascendência em questão, não há exame de DNA. É preciso procurar rastros e vestígios.

Ocorre que, em uma sociedade narcisista orientada pelo acúmulo de riquezas e pela obsessão do consumo, inevitavelmente a digital mais nítida estará no dinheiro. Seguindo as pegadas dos fluxos financeiros, não será difícil concluir que o “pai de todas as bombas” sempre foi a desigualdade social.

A desigualdade é o maior mecanismo de devastação inventado até hoje. À primeira vista pode parecer que as bombas provoquem pobreza. Contudo, olhando com atenção, o ciclo é inverso.

A desigualdade social financia as aventuras belicosas por meio das transferências de renda e riqueza, das populações e territórios mais pobres para os segmentos econômicos capazes de investir no negócio da guerra.

Basta observar que durante a pandemia a receita anual dos 100 maiores grupos do setor mundial de defesa manteve-se acima de meio trilhão de dólares, concentrados em 15 países, enquanto a economia mundial diminuiu mais de 3% ao ano (fonte: SIPRI, Estocolmo). Vejamos, nos eventos da Ucrânia, quem terá lucrado ou empobrecido ao final.

 

Felipe Sampaio. Ex-Assessor Especial do Ministro da Defesa (2016-2018);foi Secretário Executivo de Segurança Urbana do Recife; colabora com o Centro Soberania e Clima.

Quais assuntos você deseja receber?

Ícone de sino para notificações

Parece que seu browser não está permitindo notificações. Siga os passos a baixo para habilitá-las:

1.

Ícone de ajustes do navegador

Mais opções no Google Chrome

2.

Ícone de configurações

Configurações

3.

Configurações do site

4.

Ícone de sino para notificações

Notificações

5.

Ícone de alternância ligado para notificações

Os sites podem pedir para enviar notificações

metropoles.comBlog do Noblat

Você quer ficar por dentro da coluna Blog do Noblat e receber notificações em tempo real?