A luta de classes moderna (por Ricardo Guedes)
Os golpes de hoje ocorrem pela desobediência dos governantes às leis e supressão contínua do judiciário e do legislativo
atualizado
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A luta de classes moderna está hoje invertida. Ao invés da classe trabalhadora se opor à elite por seus direitos, hoje os ricos oprimem aos pobres na supressão dos direitos para a acumulação de riqueza. O World Inequality Report mostra que nos últimos 40 anos os 50% de renda mais alta aumentaram e os 50% de renda mais baixa diminuíram sua participação no PIB nos países do mundo.
O Renascentismo e a Reforma Protestante representaram a saída da Idade Média para sociedades mais justas.Na Inglaterra, a Revolução Inglesa em 1642-1660 precedeu ao primeiro Parlamento Britânico em 1707. Nos Estados Unidos, a Revolução Americana em 1765-1791 foi feita com a melhor ideologia da época, a liberal, com a constituição “We the people” em 1789. Na França, a Revolução Francesa em 1789-1799 substituiu a aristocracia, com o lema “Liberté, Égalité, Fraternité”.
No século XIX, a luta de classes entra em sua forma mais acirrada. Em 1848, Marx publica o Manifesto Comunista com a luta de classes entre o proletariado e a burguesia devido à contradição entre a maneira coletiva da produção e a apropriação individual da riqueza. Em 1871 a Comuna de Paris sobre sua derrota, incorporando, entretanto, legados à Terceira República na França. Ao final da Primeira Guerra, a Revolução Russa ocorre em 1917. Após a Segunda Guerra, a Revolução Chinesa ocorre em 1949. Segue-se a Guerra Fria entre o ocidente e o socialismo, até a derrocada da União Soviética em 1991. A economia passa a ser a de mercado, com diferentes níveis de intervenção estatal, do Keynesianismo às Social-Democracias.
Hoje, aumenta a concentração da riqueza agravada pela crise ecológica que vai limitar o acesso a bens sociais. Do antigo discurso socialista contra o liberalismo, a esquerda hoje se apega ao discurso do direito e da democracia contra a concentração de riqueza e quebra da ordem institucional. A direita avança. Trump, Orban e Bolsonaro são expressões deste movimento.
Ao longo dos séculos criou-se uma classe média, tecnicamente funcional. O Supremo surge como poder moderador e regulador da lei acordada entre as partes, o Parlamento como palco das discussões. Hoje, a classe média encontra-se espremida pela inflação e emprego, já que o critério não é mais técnico, mas do poder e da riqueza. O conceito atual da “liberdade de expressão” somente expressa o afrontamento às leis para a quebra da ordem institucional. Os novos golpes de estado diferem dos anos 60 e 70, quando se colocavam tanques nas ruas. Os golpes de hoje ocorrem pela desobediência dos governantes às leis e supressão contínua do judiciário e do legislativo. O Supremo é a ser suprimido; o Parlamento diminuído.
Parece que após cinco séculos de melhoria econômica e de direitos sociais chegamos ao fim de um ciclo histórico. com o início do que poderá vir a ser a nova idade média tecnológica da modernidade opressiva e decadente. O fim das democracias.
Ricardo Guedes é Ph.D. pela Universidade de Chicago e CEO da Sensus