A “liberdade de imprensa” de Bolsonaro (por André Gustavo Stumpf)
A estratégia de campanha do atual presidente, imaginada pelo filho apelidado de Carluxo, é baseada na farta distribuição de boatos e notícia
atualizado
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Na solenidade de reinício dos trabalhos do Congresso Nacional, o presidente Jair Bolsonaro fez um rápido resumo, nos 14 minutos de discurso, do que seu governo realizou neste ano. Jogou para sua plateia, forneceu argumentos positivos para seus seguidores e enumerou obras espalhadas por todo o país.
No entanto, a conclusão de sua fala teve outro objetivo, diferente do que havia dito antes: ‘os senhores nunca me verão pedir pela regulamentação da mídia e da internet. Eu espero que isso não seja regulamentado por qualquer outro Poder. A nossa liberdade acima de tudo’ disse, de improviso.
Alguma razão Bolsonaro tem para fazer apelo deste tamanho aos parlamentares. O primeiro é produzir contraponto ao discurso das lideranças do PT no sentido de que é necessário criar o que chamam de ‘controle social da mídia’. Trata-se de maneira disfarçada de controlar o noticiário sem criar um departamento de censura.
Em alguns países europeus, os sindicatos de jornalistas têm o poder de avaliar a pauta de reportagens de jornais, revistas e televisões. Esses comitês julgam se é ou não oportuna determinada reportagem. Os sindicatos de jornalistas, naturalmente controlados pelas centrais sindicais, exercem esse poder.
A segunda razão, tão ou mais importante que a primeira, é a existência da rede social chamada Telegram. Criada na Rússia, sediada em Dubai, a empresa não possui escritório ou funcionário responsável no Brasil. Não dá atenção para as autoridades brasileiras. Aliás, a direção da empresa se vangloria de não atender a pedidos de governos, nem admitir qualquer tipo de regulamentação.
As outras redes sociais largamente utilizadas no Brasil, como Google, Instagram, Facebook, Twitter, atendem às orientações do governo brasileiro. Mantêm no Brasil seus respectivos escritórios de representação e funcionários responsáveis para interagir com os poderes da República.
Há uma convivência bastante efetiva entre as partes. Por essa razão, volta e meia, Bolsonaro, filhos, admiradores e seguidores são suspensos das redes por decisão das próprias empresas. O ministro Alexandre de Moraes, em agosto do ano passado, ordenou que uma publicação de Bolsonaro sobre a vulnerabilidade da urna eletrônica brasileira fosse apagada nas redes sociais.
As redes, digamos, tradicionais derrubaram o conteúdo e cumpriram a decisão do ministro. O Telegram não deu resposta, não apagou o conteúdo até hoje e se mantem distante das solicitações do Judiciário brasileiro. Em bom português, não dá a menor bola para as autoridades brasileiras.
É uma questão difícil porque a instituição está sediada no exterior. Não há como submetê-la às leis brasileiras. E qualquer pessoa que disponha de computador, ou aparelho celular, conectado à internet poderá fazer a conexão com a rede russa. Impedir de continuar transmitindo em português é, portanto, muito difícil. A não ser que seja adotada no Brasil solução parecida com a chinesa.
Os chineses só têm acesso às redes sociais próprias. Há equivalente chinês para Instagram, Facebook e Twitter. O governo de Pequim mantém em funcionamento, 24 horas por dia, um gigantesco firewall, que impede qualquer transmissão vinda do exterior. Difícil pensar em algo semelhante instalado no Brasil.
O presidente do Tribunal Superior Eleitoral, Luís Roberto Barroso, enviou ofício ao presidente do Telegram com objetivo de formalizar cooperação para combater a desinformação. Não recebeu nenhuma resposta. Neste momento a questão deixa de ter tinturas jurídicas, ou técnicas, para ganhar proporções eleitorais.
Quem entende do assunto garante que se o Telegram continuar a agir sem qualquer restrição para divulgar fake news, a candidatura de Bolsonaro a reeleição ganhará maior impulso. Segundo os especialistas, a participação da rede russa na eleição brasileira poderá colocar o atual presidente no segundo turno. Sem fakenews, Bolsonaro perde e abre espaço para Sergio Moro.
A questão é de cunho eleitoral. A estratégia de campanha do atual presidente, imaginada pelo filho apelidado de Carluxo, é baseada na farta distribuição de boatos e notícias falsas. O objetivo é destruir o adversário, demolir reputações, zombar de realizações, humilhar contendores e exaltar, com todo o tipo de inverdade, o candidato à reeleição.
E tudo isso de maneira repetida, multiplicada pela ação dos robôs, para que a mentira replicada mil vezes se transforme em verdade. Os ministros do TSE perceberam o perigo que ronda as próximas eleições. O presidente quer garantir seu espaço. Mesmo que se transforme na grande ironia: Bolsonaro, o defensor da liberdade de imprensa.
André Gustavo Stumpf é jornalista e escreve no Capital Político