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A ironia de Bolsonaro que está se afogando no escândalo das joias (Por Juan Arias)

Um punhado de ouro e diamantes passou a ser o pior veneno não só para ele como também para o Exército

atualizado

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Joias dadas a Michelle Bolsonaro
1 de 1 Joias dadas a Michelle Bolsonaro - Foto: Reprodução

Na história grotesca de Jair Bolsonaro, que colocou o Brasil à beira de um golpe militar e tentou promover uma guerra civil na ânsia de armar o país para lutar contra o espectro de um comunismo que não existe, um imponderável inesperado se fez presente. Esta é uma nova faceta que pode acabar com ele na prisão, algo que mais de uma dúzia de processos judiciais em andamento muito maiores não conseguiram fazer.

Desta vez é sobre o chamado escândalo do tráfico de joias de ouro e diamantes que ele e sua esposa Michelle receberam de presente dos Emirados Árabes Unidos, avaliadas em mais de três milhões de dólares, que deveriam ter ido para o patrimônio nacional e acabaram no bolso do então presidente da República.

A história dessas joias daria um filme cômico sobre pequenos traficantes, como tê-las trazido escondidas no fundo de uma mochila militar e que parte desses objetos preciosos, como um colar todo de diamantes para a mulher de Bolsonaro, continua detido na alfândega do São Paulo sem que se consiga recuperá-lo.

A notícia da venda de valiosos relógios Rolex e Pateck Philippe feitos de ouro e pedras preciosas vendidos silenciosamente nos Estados Unidos e que foram parar no bolso da família Bolsonaro é ainda mais grave porque altos funcionários dos três corpos do Exército, aparentemente, são cúmplices do ex-presidente.

Estamos diante de um histórico de tráfico de joias preciosas que deveriam ser propriedade do Estado e que têm sido vendidas secretamente, o que já está trazendo o maior descrédito a Bolsonaro e sua família, principalmente em seu eleitorado mais pobre e fiel, como o das igrejas pentecostais. Acontecimentos muito mais graves, como a tentativa de golpe ou o seu escárnio da epidemia de covid que provocou perto de um milhão de mortos, afetam-no menos do que o  de ladrão de joias.

Para seu eleitorado mais fiel, nada poderia ser mais devastador do que ver seu ídolo, considerado um messias e enviado por Deus, com a Bíblia sempre em mãos para combater comunistas corruptos como Lula, acusado de ser um “ladrão”. Isso é demonstrado pelo fato de que imediatamente sua presença nas redes sociais, que foram o fulcro de sua eleição, desmoronou e até mesmo os políticos que até ontem lhe eram fiéis começam a dar sinais de distanciamento e se aproximam de Lula e do seu governo .

A isso se soma que o Exército, que havia sido o maior baluarte do governo Bolsonaro, já que foi ele quem o trouxe de volta ao poder sem a necessidade de golpes, acabou encurralado e desacreditado até mesmo popularmente, sendo visto como cúmplice na venda das já lendárias joias.

O curioso de toda essa história é que de repente um punhado de ouro e diamantes passou a ser o pior veneno não só para Bolsonaro como para o Exército, tanto que ele começa a se ver nu perante a opinião pública como cúmplice de mais uma pequena empresa do que altos comandantes militares.

Nada poderia ser mais negativo para os milhões de pobres e evangélicos que votaram em Bolsonaro para se livrar do “corrupto Lula”; Bolsonaro, aquele que hoje é seu ídolo, escolhido por Deus que o salvou da morte após o atentado sofrido em plena campanha eleitoral, aparece à vista da opinião mundial como um simples ladrão de bicicletas.

E não apenas para os pobres. Também para o mundo dos negócios e os mais ricos que votaram em Bolsonaro para colocar com ele uma extrema-direita liberal no poder, o seu apoio está a revelar-se um espinho no sapato do qual não sabem como se livrar. Daí a queda vertical nos dias de hoje nas redes sociais de tudo relacionado ao bolsonarismo e o inesperado apoio ao novo governo progressista de Lula até mesmo de partidos de direita que lutam para participar do governo com seus próprios ministros.

Alguns dizem, meio brincando e meio sério, que um dia o Brasil terá que agradecer aos países árabes pelos presentes de ouro e diamantes dados ao então presidente Bolsonaro, já que eles estão fazendo o milagre de conter o movimento bolsonarista que ameaçava se militarizar no país.

Para entender a força e a importância dessa nova denúncia contra Bolsonaro, é preciso lembrar que ele, da nulidade que era como político, chegou à Presidência graças à guerra desencadeada contra os então supostos escândalos de corrupção política que recaíram sobre Lula , que estava na prisão, e sobre a maioria das forças políticas. O capitão sem histórico no Exército que o expulsou e no Congresso, no qual passou por nove partidos diferentes e nenhum de peso, chegou ao ápice do poder devido à rejeição geral à época da esquerda como protagonista da corrupção no escândalo da Lava Jato.

A história tem suas ironias e se Bolsonaro fosse parar na cadeia nas próximas semanas por ladrão de joias e não por suas tentativas de golpe, o Brasil poderia transformar toda essa história curiosa e ao mesmo tempo dramática em um bom roteiro para os próximos carnavais. O famoso antropólogo Roberto DaMatta situa, com efeito, a alma dos carnavais nos aspectos mais interessantes, originais e criativos da alma brasileira.

(Transcrito do El País)

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