A ilusão de crescer o PIB (por Eduardo Fernandez Silva)
Ao invés de comemorar que o PIB cresceu, digamos, 5%, devemos indagar: e a saúde, a educação, a segurança, etc., melhoraram 5%?
atualizado
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Há décadas passou-se a acreditar que a prioridade de governantes deve ser crescer a economia, com base na ideia de que, daí, resultaria a melhoria da qualidade de vida da população. Faz sentido?
A noção ficou tão arraigada que questioná-la soa como uma ofensa à máxima que nos manda produzir produtos buscando a máxima rentabilidade financeira, ainda que em detrimento de seres humanos, do meio ambiente e da durabilidade dos produtos!
A necessidade de distinguir entre economia e qualidade de vida da população é advertência já expressa por Aristóteles. Para este, a oiconomia analisava a busca da satisfação das necessidades e do bem comum, enquanto a crematística se ocupava da satisfação de desejos ilimitados, a corrida por mais e mais dinheiro. Mais recentemente, o próprio criador do conceito e do método básico para se estimar o PIB, Simon Kuznets, advertia que este não deveria ser tido como indicador da qualidade de vida da população. Por quê?
Primeiro, porque o PIB não é, como infelizmente alguns insistem, a soma das riquezas produzidas em certo período; o PIB estima a soma das transações monetárias com produtos finais. Ou seja, não soma transações com pneus às com automóveis pois, neste caso, aqueles estariam sendo contados duas vezes, uma enquanto pneus, outra enquanto parte do carro.
Por outra, nem todo “produto” é um “bem”, como equivocada e ideologicamente se costuma dizer. Há produtos que são danosos, sendo o cigarro um exemplo, embora vendê-lo aumente o PIB. Outros geram danos e benefícios: o petróleo. A estimativa do PIB soma apenas os supostos benefícios, deixando os males “esquecidos”.
A explosão do crescimento da economia ocorrida nos últimos séculos trouxe consigo “benefícios”, sem dúvida, mas também muitos males. Como, apesar dos esforços para criação dos “mercados de carbono”, não há transações monetárias com esses males – a poluição, o câncer e outros, – a medida do “sucesso econômico” que orienta tantos governantes é absurdamente enganosa. Daí a necessidade de focarmos a “qualidade de vida”, medida por outros e mais variados indicadores.
Robert Kennedy disse que o PIB “conta o napalm e as ogivas nucleares, os rifles e os programas de TV que glorificam a violência para vender brinquedos para nossos filhos; numa palavra mede tudo, exceto aquilo que faz a vida valer a pena”.
Ao invés de comemorar que o PIB cresceu, digamos, 5%, devemos indagar: e a saúde, a educação, a segurança, a limpeza pública, etc., melhoraram 5%, ou mais? Se não, para que crescer o PIB? É difícil medir se a educação, por exemplo, melhorou X%. Mas, se tal melhoria estiver focada em objetivos claros, mensuráveis – por exemplo, a redução da violência nas escolas –, então será possível medir o avanço, corrigir políticas pouco eficazes e ampliar as de bons resultados.
Em poucos anos, a população do país que assim se orientar estará em condições muito melhores, comparativamente à de uma nação em que os dirigentes continuem a se orientar pela bússola errada!
Eduardo Fernandez Silva. Ex-Diretor da Consultoria Legislativa da Câmara dos Deputados