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A hora mais escura do Afeganistão (por Hubert Alquéres)

Quem tem menos culpa no cartório é Joe Biden, que deu continuidade a um acordo atabalhoado entre seu antecessor Trump e o Talibã

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Haroon Sabawoon/Anadolu Agency via Getty Images
o grupo extremista Talibã conquistou o Afeganistão e assumiu o controle do palácio presidencial do país
1 de 1 o grupo extremista Talibã conquistou o Afeganistão e assumiu o controle do palácio presidencial do país - Foto: Haroon Sabawoon/Anadolu Agency via Getty Images

Não houve em Cabul cenas como as de Saigon de 1975, com americanos pendurados em helicóptero que decolava do terraço da embaixada americana. Mas houve uma mais trágica: afegãos, em desespero, pendurados em um supercargueiro em pleno voo e despencando do avião para se estatelar na pista.

Vinte anos depois de travar uma guerra que não era sua – na qual morreram 174 mil pessoas -, os Estados Unidos saem do Afeganistão como um país humilhado. Com a derrota no Vietnã, é a segunda guerra que perde em toda sua história.

Assim como Nguyễn Văn Thiệu, último presidente do Vietnã do Sul fugiu do país às vésperas da queda de Saigon, Asrhaf Ghani, presidente afegão aliado dos Estados Unidos, também escapou às pressas de seu solo natal.

Em comum entre as duas guerras, o fracasso da estratégia de substituir soldados americanos por tropas locais. Nos dois países seus exércitos regulares não foram páreos para enfrentar insurgentes em uma guerra assimétrica.

Surpreende que os Estados Unidos tenham comprado a bazófia de oficiais afegãos, segundo a qual o Talibã não tinha condição militar para tomar o poder. Grande ilusão! Sua blitzkrieg (termo alemão para guerra-relâmpago) durou apenas sete dias, com as principais cidades do país caindo como peças de dominó, até chegar a vez da capital Cabul.

Também ficou outra lição para a maior nação do mundo. Governos fantoches, impopulares e corruptos não são a solução. Acabam se tornando parte do problema.

Mas a comparação entre os dois momentos históricos para por aí. Cabul não é Saigon no sentido de que a opinião pública mundial vê com olhos bastante diferentes o fim da guerra do Vietnã e a do Afeganistão. Nos anos 70 a causa vietnamita granjeava simpatia, inclusive nos Estados Unidos. Antes de perder a guerra propriamente dita, os americanos tinham perdido a batalha pela opinião pública porque não havia como não simpatizar com um povo que lutava pela unificação de seu país.

Hoje o mundo enxerga com enorme preocupação a volta do Talibã. E com razão. Seu anúncio de que irá instalar um estado teocrático intitulado Emirado Islamita do Afeganistão aviva em nossa memória os tempos em que foi governo, quando mulheres tinham de usar burca, não podiam trabalhar ou estudar e, as acusadas de adultério eram apedrejadas.

Agora os fundamentalistas que retornam ao poder procuram calibrar sua imagem, vendendo-se como mais moderados. A conferir. A julgar pelo que já praticaram nas cidades que tomaram antes da queda de Cabul, não há como ser otimista quanto à sua mudança de conduta. Nesses lugares, como Herat, universitárias foram forçadas a deixar de estudar e mulheres inseridas no mercado de trabalho foram “aconselhadas” a dar seu emprego para um parente homem.

O Talibã governará de acordo com a sua leitura da Xaria – A Lei Islâmica – e em nome dessa lei nos últimos dias já cometeu várias violações dos direitos humanos. A denúncia é da própria ONU, por meio de seu Secretário-Geral.

Tampouco está descartada – e essa é a grande preocupação do mundo – que o Afeganistão volte a ser área de refúgio de grupos terroristas, como o foi no passado, quando abrigou a Al Qaeda.

Se adotar alguma moderação será em função da pressão da China, de cujos investimentos necessitará. De agora em diante, o Afeganistão estará na área de influência do país de Xi Jiping, o que redesenha a geopolítica da Ásia Central. Subsidiariamente, também da Rússia, do ponto de vista militar.

O envolvimento dos Estados Unidos na guerra do Afeganistão foi consequência de uma sucessão de erros. Começou lá atrás, quando em plena guerra fria Ronald Reagan estimulou o surgimento do Talibã e a guerra contra a União Soviética, que ocupava o país. No entanto, um dos maiores erros foi a estratégia desastrosa de George Bush de primeiro invadir o Iraque utilizando-se de uma mentira e depois o Afeganistão, dando início à guerra, em 2001. Bush envolveu seu país nas duas invasões como represália ao atentado das Torres Gêmeas.

Quem tem menos culpa no cartório é Joe Biden, que deu continuidade a um acordo atabalhoado entre seu antecessor Trump e o Talibã.

Não há cena de americano pendurado em helicóptero, mas há milhares de afegãos querendo sair do país e sendo abandonados à própria sorte.

Sim, Cabul lembra Saigon e Biden pagará o preço pela imagem que ficará marcada indelevelmente como símbolo do novo fracasso americano.

O presidente dos Estados Unidos está coberto com a razão quando diz que quem resolverá o problema do Afeganistão será seu próprio povo. Isso a história já demonstrou sobejamente. A antiga União Soviética tentou implantar o socialismo no Afeganistão na esteira dos seus tanques, os americanos quiseram transformá-lo em uma democracia liberal por meio de aviões caças e blindados ultramodernos. Ambos fracassaram. Não é por aí, a solução não virá de fora e sim do próprio país. Mas até lá, os afegãos viverão sua hora mais escura.

 

Hubert Alquéres é membro da Academia Paulista de Educação, da Câmara Brasileira do Livro e do Conselho Estadual de Educação. Foi professor na Escola Politécnica da USP e no Colégio Bandeirantes.

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