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A França intranquila (por Marcos Magalhães)

O possível sucesso de Bardella pode vir a abrir caminho para uma ruptura ainda maior: a eleição de Marine Le Pen para presidente em 2027

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Artur Widak/NurPhoto via Getty Images
Jordan Bardella ao lado de Le Pen
1 de 1 Jordan Bardella ao lado de Le Pen - Foto: Artur Widak/NurPhoto via Getty Images

O som da língua francesa é habitual em uma pequena boulangerie no sofisticado bairro do Lago Sul, em Brasília. Ali se reúnem alunos e professores do Lycée François Mitterand, aberto em 2016, e cujo nome presta homenagem ao presidente eleito em 1981.

Era um tempo diferente. O antigo militante socialista, então com 64 anos, obtinha a primeira vitória da esquerda desde 1958. Seu slogan de campanha prometia tranquilizar os franceses preocupados com a mudança: “Mitterand, a força tranquila”.

Depois de seus dois mandatos de sete anos, a França experimentou governos moderados de direita e de esquerda, até chegar ao centrismo de Emmanuel Macron, cujo segundo mandato prossegue até 2027.

Mas agora, por iniciativa do próprio Macron, que decidiu convocar eleições antecipadas para a Assembleia Nacional após o terremoto político das eleições para o Parlamento Europeu, seu país está prestes a viver uma mudança nada tranquila.

Mesmo que Macron complete seu mandato, com os poderes que a Constituição lhe confere, terá de conviver nos próximos três anos com um primeiro-ministro pouco afinado com suas convicções políticas – e a quem caberá comandar o dia a dia dos franceses.

Surpresas podem acontecer, mas o candidato mais provável ao posto de primeiro-ministro é Jordan Bardella, um rapaz de 28 anos, protegido de Marine Le Pen, que se tornou presidente do partido Reunião Nacional após ascensão meteórica.

Ele nunca foi à universidade e não teve nenhum trabalho fora de seu partido, onde entrou após crescer em um bairro de periferia cheio de imigrantes. Mas conta com 1,3 milhão de seguidores no TikTok e, elegante, faz muito sucesso entre as mulheres.

O que falta para ele chegar lá? A confirmação, no próximo domingo, da vitória em segundo turno de seu partido nas eleições parlamentares. O segundo voto dará à Assembleia Nacional sua nova composição.

No primeiro turno, o Reunião Nacional obteve 34% dos votos. Ou seja, contou com apoio de uma em cada três pessoas que foram às urnas. Em seguida veio a Nova Frente Popular, de esquerda, com 28%. Somente depois aparece o bloco centrista de Macron, com 20%.

Ao longo dessa semana, a esquerda e os centristas estarão empenhados na busca de acordos para beneficiar os candidatos com mais chances de derrotar a extrema direita. Se forem bem-sucedidos, evitarão a ascensão de Bardella.

Uma tarefa difícil. O próprio Macron, segundo já relatam à imprensa francesa fontes próximas a seu governo, já admite a possibilidade de três anos de coabitação – durante os quais precisará conviver com um primeiro-ministro da direita radical.

Se Mitterand prometeu nos anos 1980 uma transição tranquila, nada parece sinalizar agora nessa direção. E o possível sucesso de Bardella pode vir a abrir caminho para uma ruptura ainda maior: a eleição de Marine Le Pen para presidente em 2027.

As promessas de campanha do jovem político já indicam o campo minado que a França terá de atravessar nos próximos anos, caso ele seja confirmado no poder. Um dos berços dos direitos humanos como os conhecemos, o país pode enfrentar uma guerra cultural.

O partido Reunião Nacional pretende facilitar a expulsão de estrangeiros que cometem crimes e dificultar a obtenção de nacionalidade francesa por filhos de estrangeiros que nasçam no país. Apenas filhos de pais franceses seriam beneficiados.

Os migrantes que não tenham trabalhado pelo período de um ano, por sua vez, perderão o direito de residência no país. Aqueles que se encontrem em situação irregular poderão sofrer deportação automática.

Em entrevista ao jornal londrino Financial Times, relatada pela BBC Brasil, Bardella admitiu que pretende travar uma “batalha cultural” contra o que considera islamismo radical. Entre outras medidas estaria a proibição do uso em público do hijab, o véu islâmico.

“O véu não é desejável na sociedade francesa”, argumentou Bardella. “A batalha é em parte legislativa, mas é também uma batalha cultural”.

As principais medidas de ampliação do bem-estar dos trabalhadores, no ideário da Reunião Nacional, estariam guardadas aos “verdadeiros franceses”, ou seja, principalmente à população branca nascida no país.

Dará certo? Medidas semelhantes são defendidas por eleitores pobres de vários países europeus, que se sentem prejudicados pela grande presença de estrangeiros. Mas colocar em prática esse ideário pode motivar muita inquietação social.

O segundo turno das eleições na França será acompanhado com preocupação, especialmente no mundo ocidental. Até porque exercerá influência sobre outra escolha marcada para 2027: a da pessoa que vai presidir a França depois de Macron.

As escolhas políticas dos franceses indicam um futuro preocupante para a Europa.

 

Marcos Magalhães. Jornalista especializado em temas globais, com mestrado em Relações Internacionais pela Universidade de Southampton (Inglaterra), apresentou na TV Senado o programa Cidadania Mundo. Iniciou a carreira em 1982, como repórter da revista Veja para a região amazônica. Em Brasília, a partir de 1985, trabalhou nas sucursais de Jornal do Brasil, IstoÉ, Gazeta Mercantil, Manchete e Estado de S. Paulo, antes de ingressar na Comunicação Social do Senado, onde permaneceu até o fim de 2018.

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