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A fome e a desalma (por Mirian Guaraciaba)

Nem o debate chinfrim, apesar do esforço da Band, Folha, UOL, e TV Cultura, fez o nefasto explicar porque nega a fome no País

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Reprodução/Redes sociais
ossos de boi vendidos em açougue
1 de 1 ossos de boi vendidos em açougue - Foto: Reprodução/Redes sociais

Há exatos 30 anos, por pressão do economista e sanitarista Eduardo Kertesz, a Câmara dos Deputados instalou e concluiu a primeira e única (até agora) CPI da Fome. Encaminhado ao TCU, o relatório trouxe dados chocantes. As conclusões, entretanto, ficaram restritas aos que tinham algum interesse no tema. Ainda não existiam redes sociais. Era 1992.

No processo TC 000134/92-9, o então ministro Fernando Gonçalves, atestou que o relatório trouxe “à tona, com abundância de dados e depoimentos” a gravidade do problema da fome que então assolava o País. Graus variados de desnutrição atingiam 30% das crianças de zero a 5 anos, no Brasil. No Nordeste, o índice atingia 56% da primeira infância.

Hoje, quando se fala em fome, agravada nos últimos anos, nas ruas das pequenas e grandes cidades, há clareza de que houve apenas um curto intervalo em nossa história em que o flagelo foi substancialmente reduzido e os mais pobres tiveram acesso a comida. Inquestionável. Nos dois mandatos de Lula e no primeiro de Dilma Rousseff, o Brasil saiu do mapa da fome da ONU.

Isso é fato. Em abril de 2014, relatório da Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO), do Fundo Internacional de Desenvolvimento Agrícola (FIDA) e do Programa Mundial de Alimentos (PMA) mostrou para o mundo que nos 10 anos anteriores (2004 a 2014), o Brasil reduziu pela metade a parcela da população que sofre com a fome.

O documento da ONU destacou que a taxa de desnutrição no Brasil caiu de 10,7% para menos de 5% desde 2003 (até 2014). A pobreza no país foi reduzida de 24,3% para 8,4% entre 2001 e 2012, enquanto a pobreza extrema também caiu de 14% para 3,5%. Tem mais: nos governos Lula e Dilma, o Brasil tornou-se líder do ranking de países em desenvolvimento com as políticas mais eficientes no combate à fome, segundo a ONG Action Aid.

A fome no Brasil de Bolsonaro afeta 15,5% da população. Em comparação a 2020, são 14 milhões a mais de pessoas sem ter o que comer.

Bolsonaro diz que não há milhões de famélicos no País porque não se interessa pelos pobres, miseráveis, invisíveis. Quem entende do assunto vê claramente retrocesso no Brasil: “Chegamos a um nível próximo ao de 1990”, diz o presidente do Conselho Federal de Nutricionistas, Élido Bonomo. “Assistimos a cenas horripilantes, como a ‘fila dos ossos’, algo inaceitável para um país que já foi referência no combate à fome”.

Exemplos não faltam. O menino Miguel, de 11 anos, ligou para o 190, em Belo Horizonte e pediu socorro: a família estava sem comer há três dias. Sim, casos de polícia. Semana passada, a juíza Mariana de Queiroz Gomes, de Novo Gama, determinou a soltura de Jonatas Edson Schafer, preso por roubar duas peças de carne em um supermercado de Novo Gama, em Goiás. Trata-se de caso nítido de furto famélico, escreveu a Juíza.

No debate da Band, o tema foi abordada de forma rasa. Citado entre frases pelos candidatos. Ciro indagou o Capitão a respeito. Bolsonaro não se deu ao trabalho de estender o assunto: “Talvez alguns passem fome”, disse, apressado. Alguns? Sao 33 milhões de brasileiros, Bolsonaro.

O foco do negacionista, obviamente, não é a fome, nem os brasileiros pobres. Sabemos bem. Já estamos nesse desgoverno há quase quatro anos. Seu miolo mira apenas, e unicamente, Lula, seu maior adversário, à frente na preferência dos eleitores. O sujeito tem prazer de chamar Lula de presidiário.

Esquece o Capitão Bolsonaro que também já foi preso? Nos anos 80, por atos considerados terroristas, indisciplina e desordem nos quartéis, onde servia.

Entre um presidiário e outro, no dia 2 de outubro, a escolha será fácil: fico com Lula.

KERTESZ – Eduardo Kertesz foi um dos mais aguerridos militantes em defesa da saúde pública. Um dos funcionários públicos mais dedicados e interessantes que conheci em Brasilia. Engenheiro, economista, sanitarista respeitado em todo o País, atuou no IPEA, na Secretaria de Planejamento da Presidência da República e foi presidente do INAN (Instituto Nacional de Alimentação e Nutrição), em 1989. Em 1997, o INAN foi extinto. Eduardo morreu aos 59 anos, de câncer, em abril de 2000. Faz enorme falta.

Desalma vem do verbo desalmar. O mesmo que: desapieda, tornar-se perverso e desumano; desapiedar.

 

Mirian Guaraciaba é jornalista

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