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A festa colorida de Krenak (por Marcos Magalhães)

Aílton Krenak na Academia Brasileira de Letras

atualizado

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Ailton Krenak
1 de 1 Ailton Krenak - Foto: Reprodução

Em tempo de guerras ideológicas, indelicadezas e sectarismos políticos, foi alentador assistir à posse de Aílton Krenak na Academia Brasileira de Letras. A centenária instituição, que teve entre seus fundadores Machado de Assis, inaugurou assim a primeira ponte entre o centro do Rio de Janeiro e os povos da floresta.

Primeiro representante dos habitantes ancestrais do Brasil a alcançar a mais tradicional representação dos intelectuais do país, Krenak atraiu para a sua festa de posse uma audiência diversa e multicolorida.

Entre vários acadêmicos brancos provenientes da classe média, havia na mesa da cerimônia dois ministros negros – Margareth Menezes, da Cultura, e Silvio Almeida, dos Direitos Humanos. Na plateia, representantes de diversas etnias indígenas, dos Krenak de Minas Gerais aos Ashaninka do Acre.

A posse de Krenak, autor de obras como Ideias para adiar o fim do mundo e A vida não é útil, ainda foi adornada por um carinhoso abraço da atriz Fernanda Montenegro, que lhe deu seu novo colar de imortal.

Em alguns momentos, a cerimônia chegou a lembrar as já distantes reuniões de comissões temáticas da Assembleia Nacional Constituinte, nos anos de 1987 e 1988. Ali foi também a primeira vez que os indígenas ocupavam em peso as instalações de outra antiga instituição brasileira – o Congresso Nacional.

Na Constituinte se desenhou o capítulo que elencou os direitos indígenas. Não foi trivial. Havia à época, como ainda há hoje, setores econômicos e políticos contrários às demarcações de terras e ao que enxergam os índios como obstáculos ao desenvolvimento.

Na Academia Brasileira de Letras, Krenak mencionou – sem lhe citar o nome – o ex-presidente que assegurou que não demarcaria um centímetro sequer de novas reservas durante seu mandato.

Mas, se a posse de Krenak foi também um ato político, não deixou igualmente de ter um toque de sensibilidade e poesia. Por meio das letras se desenhou uma inédita aproximação com as culturas dos povos ancestrais do país.

É verdade que o Rio de Janeiro está a três mil quilômetros das florestas da Amazônia, onde ainda hoje ocorrem os conflitos entre fazendeiros, garimpeiros e indígenas. Também é certo que os interessados nas terras indígenas não buscam poesia, mas rápidos lucros.

Esses lucros são muitas vezes provenientes de derrubada de árvores em reservas legais e da busca de ouro em rios outrora cristalinos. Além da desnutrição, crianças ianomâmis de Roraima ainda sofrem com os efeitos do mercúrio usado nos garimpos em seus cérebros.

No passado recente, quando bastava acreditar em um mito e vestir camisa amarela para se declarar patriota, os sofrimentos dos povos indígenas foram muitas vezes ignorados.

Não será, naturalmente, uma cerimônia na Academia Brasileira de Letras que interromperá de imediato as ações de todos esses agentes econômicos ilegais contra os povos originários, em conflitos que não são vistos a olho nu a partir das grandes cidades.

Houve, porém, algo de simbólico na festa literária capaz de nutrir uma vaga esperança de convivência harmoniosa entre os diversos povos que habitam esse país.

Respeitar negros e indígenas – e suas respectivas culturas – não deveria ser mais um tema a aprofundar a guerra cultural entre esquerda e direita. Mas sim um indicativo do grau de civilização que desejamos para o país em que todos vivemos.

 

Marcos Magalhães. Jornalista especializado em temas globais, com mestrado em Relações Internacionais pela Universidade de Southampton (Inglaterra), apresentou na TV Senado o programa Cidadania Mundo. Iniciou a carreira em 1982, como repórter da revista Veja para a região amazônica. Em Brasília, a partir de 1985, trabalhou nas sucursais de Jornal do Brasil, IstoÉ, Gazeta Mercantil, Manchete e Estado de S. Paulo, antes de ingressar na Comunicação Social do Senado, onde permaneceu até o fim de 2018.

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