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A face brasileira do G20 (por Marcos Magalhães)

Lula na busca da construção de um mundo mais justo e de um planeta sustentável

atualizado

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Lula na Índia, com lenço no ombro e marca indiana na testa -- Metrópoles
1 de 1 Lula na Índia, com lenço no ombro e marca indiana na testa -- Metrópoles - Foto: Ricardo Stuckert/PR

“Um mundo justo e um planeta sustentável”. Esses são os dois ideais que vão orientar, a partir de dezembro, a presidência brasileira do G20, segundo anunciou no domingo em Nova Dehli o presidente Luís Inácio Lula da Silva, ao final da cúpula do grupo.

As duas metas fazem sentido em um mundo ainda marcado por enormes desigualdades e por uma crise climática que começa a mostrar sua face em diversas partes do planeta.

Não basta, porém, que estejam em destaque na declaração final a ser aprovada na cúpula do Rio de Janeiro, em 2024.

Ambas precisam encontrar seu caminho no mundo real, onde as disputas de poder entre os Estados mais poderosos ditam a agenda de maneira mais intensa que as imagens de pessoas famintas e de fenômenos climáticos extremos.

Nas palavras do presidente brasileiro, a busca da construção de um mundo mais justo e de um planeta sustentável atende às duas prioridades estabelecidas pelo país para o comando rotativo do G20: a inclusão social e a transição energética. Ao lado de uma terceira prioridade – a reforma da governança global.

A pobreza só alcança os olhos dos habitantes dos países mais ricos por meio de fotos e imagens distribuídas por redes de televisão e canais de notícias na internet. Os números mostram, porém, como ela está presente no dia a dia da metade menos desenvolvida do planeta.

Mais de 700 milhões de pessoas enfrentam a fome, segundo o mais recente relatório da Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura (FAO). Outros 2,4 bilhões de seres humanos passam por insegurança alimentar moderada ou grave. Ou seja, quase 30% da população mundial.

Em artigo publicado na imprensa brasileira durante a cúpula da Índia, o ministro das Relações Exteriores, Mauro Vieira, anunciou a intenção de estabelecer uma Aliança Global contra a Fome e a Pobreza, com foco na garantia de acesso a alimentos e no financiamento à geração de renda às populações mais vulneráveis.

“Desejamos cooperar e inspirar”, escreveu Vieira. “Já provamos uma vez que só podemos eliminar a fome por meio de políticas públicas que reduzam as desigualdades, eliminem a pobreza e garantam às populações a possibilidade de acesso a alimentos adequados, saudáveis e produzidos de forma sustentável”.

No mesmo artigo, o ministro lembrou ser prioridade do governo a adoção de medidas de combate à mudança climática, como o controle do desmatamento. Ao lado de estímulo à bioeconomia, com destaque para produtos derivados da biodiversidade brasileira.

O próprio presidente Lula, por sua vez, defendeu no encerramento da cúpula de Nova Dehli maior participação de países emergentes nas decisões de órgãos como o Banco Mundial e o Fundo Monetário Internacional – além do Conselho de Segurança das Nações Unidas.

Dessa forma, por um lado seria possível equacionar de maneira mais favorável as dívidas contraídas por países em desenvolvimento junto às instituições multilaterais. Por outro, dar a esses países mais voz em decisões que afetam a estabilidade global.

Todas essas metas parecem dignas, pelo menos, de constar da pauta dos grandes debates globais. Mas elas vão concorrer, tanto nas mesas de negociação quanto nas manchetes dos principais órgãos mundiais de imprensa, com temas bem mais ligados às disputas de poder.

Os fatos que precederam a conferência na Índia já indicavam os desafios políticos do momento global. Ainda envolvido com a guerra na Ucrânia, o presidente da Rússia, Vladimir Putin, não foi a Nova Dehli. O presidente da China, Xi Jinping, também evitou o encontro devido a tensões crescentes com o país vizinho, onde se reuniria o G20.

Após a cúpula, contabilizaram-se perdas e ganhos. Políticos, naturalmente. A Índia saiu como grande vencedora, ao conseguir aprovar por consenso uma declaração final – com palavras mais leves sobre o conflito na Ucrânia. E se posicionou como líder do chamado Sul Global.

A Índia também anunciou a criação de uma frente de países em defesa dos biocombustíveis, como Brasil e Estados Unidos, e de uma nova conexão ferroviária do sul da Ásia com a Europa – em direta competição com os caminhos da chinesa Belt and Road Initiative.

Cientistas políticos ouvidos antes e depois da cúpula também demonstraram o peso das disputas políticas entre as principais potências. Foi o caso do professor John Ikenberry, da Princeton University, em entrevista à publicação Foreign Policy.

“Existe uma crescente divisão no mundo entre um bloco ocidental, do G7, e um bloco oriental, liderado por China e Rússia”, expôs Ikenberry. “Entre eles estão os países do Sul Global, que, por motivos pragmáticos, buscam uma oportunidade de apresentar sua agenda de desenvolvimento e de justiça social”.

Agora será a vez de o Brasil levar adiante essa agenda. Em um mundo de crescentes rivalidades geopolíticas, não será fácil colocar em primeiro plano temas como combate à pobreza e desenvolvimento sustentável. Mas vale a pena tentar.

 

Marcos Magalhães. Jornalista especializado em temas globais, com mestrado em Relações Internacionais pela Universidade de Southampton (Inglaterra), apresentou na TV Senado o programa Cidadania Mundo. Iniciou a carreira em 1982, como repórter da revista Veja para a região amazônica. Em Brasília, a partir de 1985, trabalhou nas sucursais de Jornal do Brasil, IstoÉ, Gazeta Mercantil, Manchete e Estado de S. Paulo, antes de ingressar na Comunicação Social do Senado, onde permaneceu até o fim de 2018

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