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A Europa e o Extremo Ocidente (por Marcos Magalhães)

A América do Sul atraiu apenas 8% do volume global de US$ 1,29 trilhão em investimentos

atualizado

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A América do Sul, definiu há 25 anos com bom humor o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso durante encontro em Lisboa, é o Extremo Ocidente. Ligada à Europa por noções de cultura e liberdade, mas também afastada por milhares de quilômetros.

A analogia poderia ser ampliada para esse enorme espaço físico que se chama América Latina, um condomínio diverso onde convivem grandes nações de língua espanhola, como México e Argentina, frágeis repúblicas na América Central e uma potência regional como o Brasil.

Pois esses dois universos estarão frente a frente nos dias 17 e 18 de julho, em Bruxelas, durante a reunião de cúpula da Comunidade de Estados Latino-Americanos e Caribenhos (Celac) com a União Europeia. A primeira cúpula bilateral desde 2015.

O presidente Luís Inácio Lula da Silva participará da abertura do encontro, ao lado do presidente do governo da Espanha, Pedro Sánchez, e da presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen. A Espanha acaba de assumir a presidência do Conselho da União Europeia.

E o que esperar de uma cúpula assim tão ampla? As atenções brasileiras estarão concentradas na possibilidade de algum avanço nas ainda travadas negociações do acordo de associação entre a União Europeia e o Mercosul.

Antes de aproximar tanto as lentes, porém, seria recomendável abrir o olhar para os atuais desafios das duas regiões.

Segundo a Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe (Cepal), os países latino-americanos foram os que menos receberam anúncios de investimentos estrangeiros diretos em todo o mundo em 2022.

A região atraiu apenas 8% do volume global de US$ 1,29 trilhão em investimentos, atrás de Europa, Ásia-Pacífico, África, Oriente Médio e América do Norte.

Até recentemente, a América Latina esteve bem distante do foco dos europeus. O Velho Continente anda obcecado por duas preocupações: a ascensão da China, que coloca em risco o futuro econômico dos europeus, e a guerra na Ucrânia, ameaça à estabilidade regional.

A invasão promovida pelas tropas russas reeditou a aliança atlântica com os Estados Unidos e tirou do quase esquecimento a Organização do Tratado Atlântico Norte (Otan) – aquela mesma organização que vivia “morte cerebral”, nas palavras do presidente francês Emmanuel Macron.

A Europa sabe, contudo, que precisa ampliar seu grau de autonomia, tanto militar quanto econômica e tecnológica. A disputa com a China, por exemplo, veio para ficar. Basta olhar os números dos fabricantes de veículos elétricos, que dominarão os mercados no futuro próximo.

Se a China tinha dificuldade para competir no ramo dos veículos tradicionais a gasolina, a cena é bem outra nos carros elétricos. Os fabricantes chineses têm tecnologia e acesso a recursos minerais necessários a essa pequena revolução no mundo da mobilidade.

Ainda a maior potência econômica do planeta, os Estados Unidos, por sua vez, estão movendo bilhões de dólares em subsídios para modernizar sua infraestrutura e fortalecer sua tecnologia em setores considerados essenciais para o sucesso nos mercados globais do século 21.

Espremida entre dois gigantes, a Europa precisa se reinventar. Decidiu também investir em infraestrutura e modernizar seu parque tecnológico. Busca fortalecer sua indústria de carros elétricos e implantar grandes parques de produção de semicondutores.

Para garantir lugar privilegiado no futuro, porém, necessita buscar novos mercados e, principalmente, fontes de recursos naturais que lhe permitam movimentar as novas indústrias.

Faz sentido, então, sua aproximação com a América Latina. E, uma vez que o México já se encontra profundamente conectado à economia dos Estados Unidos, o foco pode ser ajustado à América do Sul. Para depois se concentrar no Mercosul, com quem negocia há vinte anos um acordo de associação.

Argentina, Brasil, Paraguai e Uruguai representam quase 300 milhões de consumidores. Um enorme potencial para a expansão das exportações europeias. A região também poderia suprir muitas das necessidades do Velho Continente de energia, minérios e alimentos.

Isso vale, por exemplo, para o lítio, minério essencial às baterias dos carros elétricos, abundante na Argentina. Ou para o hidrogênio verde, a ser produzido a partir de energia eólica e solar em países como Brasil e Uruguai. E que pode vir a ser substituto parcial do gás russo.

Como recordou há poucos dias ao jornal francês Le Monde o cientista político Gaspard Estrada, diretor-executivo do Observatório Político da América Latina e do Caribe da Sciences Po, a guerra na Ucrânia abriu os olhos dos europeus para novos riscos estratégicos. Tudo isso acrescido da necessidade de encontrar substitutos a combustíveis fósseis.

“Com a transição energética, a questão das matérias primas voltou ao coração das negociações internacionais”, expôs Estrada. “Mais da metade das reservas mundiais de lítio e cobre estão na América Latina. Na corrida por esses minerais a China está mais adiantada. E a guerra na Ucrânia levou a União Europeia a ter consciência de suas fragilidades de fornecimento”.

Por tudo isso, faria sentido o acordo com o Mercosul. Porém, ainda há resistências dos dois lados. Lula levantou dúvidas sobre compras governamentais, para que pequenas indústrias locais não enfrentem a concorrência de gigantes europeus.

As questões principais, no entanto, estão mais ligadas à agricultura e ao meio ambiente. Permanece muito forte o lobby francês contra as exportações de grãos do Mercosul, sob alegação de que não respeitariam os mesmos critérios socioambientais europeus.

Os países europeus propuseram ainda um documento adicional ao acordo, considerado inaceitável pelo presidente brasileiro, estabelecendo punições no caso de descumprimento de obrigações ambientais.

É nesse ambiente de impasse que terá lugar a cúpula entre a Celac e a União Europeia, à margem da qual deverão ocorrer novas negociações entre líderes europeus e do Mercosul.

O tema ambiental será presença constante em todas as discussões comerciais no futuro próximo – o que potencialmente trará benefícios às partes e a todo o planeta. Mas será preciso um cuidado redobrado quando o argumento ambiental se confundir com mero protecionismo.

Por isso, faz sentido a crítica de Lula ao documento anexo apresentado pelos europeus. Por outro lado, somente uma discussão sóbria – se possível desacompanhada de adjetivos pouco diplomáticos – poderá levar à assinatura de um acordo que pode vir a ser promissor.

As negociações da associação entre as duas regiões já haviam começado quando Fernando Henrique lembrou, em Lisboa, das suas proximidades culturais. O ex-presidente pareceu ver adiante de seu tempo, porém, ao advertir para os obstáculos à frente.

“É natural que nós nos encontremos, com certa facilidade, com aqueles que pertencem a esse mesmo universo cultural”, observou Cardoso. “Isso não é suficiente para garantir a integração, nem o avanço, nem uma boa relação entre a União Europeia e o Mercosul. Para garantir tudo isso é necessário o que já se começa a fazer: avançar em negociações bastante concretas”.

A recomendação segue atual.

 

Marcos Magalhães. Jornalista especializado em temas globais, com mestrado em Relações Internacionais pela Universidade de Southampton (Inglaterra), apresentou na TV Senado o programa Cidadania Mundo. Iniciou a carreira em 1982, como repórter da revista Veja para a região amazônica. Em Brasília, a partir de 1985, trabalhou nas sucursais de Jornal do Brasil, IstoÉ, Gazeta Mercantil, Manchete e Estado de S. Paulo, antes de ingressar na Comunicação Social do Senado, onde permaneceu até o fim de 2018.

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