A esquerda brasileira deveria entender a imprensa crítica (Juan Arias)
Qualquer iniciativa de Lula ou de seu partido contra a liberdade de expressão seria triste e inconcebível
atualizado
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Há políticos progressistas no Brasil convencidos de que na confusão dos nossos dias, depois da azáfama conservadora das redes sociais, os grandes meios de comunicação tradicionais, imprensa, rádio e televisão de cunho democrático, não devem criticar a esquerda.
Inicia-se uma guerra latente contra os grandes meios de comunicação de diferentes matizes democráticos promovida pela velha esquerda que regressou ao poder com Lula, embora desta vez com a ajuda de um centro democrático.
É como se esta velha esquerda, que, felizmente, ainda chegou a tempo de travar o ímpeto da extrema-direita golpista, se interrogasse com horror como se pode criticar, por exemplo, certas decisões tomadas por Lula e pelo seu novo governo. Sim, pode e deve ser feito precisamente para que possíveis excessos de confiança nas suas apostas, algumas ainda com a marca das velhas derrotas do passado, não acabem por manchar a recém-lançada primavera democrática.
Não é criticável, por exemplo, que o novo Governo tenha cortado o orçamento dos Ministérios do Ambiente e da Cultura como já tinha feito Bolsonaro? Ou que há uma luta para conseguir extrair petróleo da Amazônia, ou que há uma tentativa de desenterrar a já velha questão do impeachment da ex-presidente Dilma, que hoje preside com todas as honras o Banco dos Brics ? Isto soa mais como vingança e perturba desnecessariamente o governo unto a boa parte do Congresso.
O suposto excesso de despesas e luxo nas inúmeras viagens de Lula e sua mulher ao exterior pode ou não ser criticado pela mídia democrática? A imprensa acaba de noticiar, por exemplo, que o presidente pediu a substituição do seu avião oficial por um novo e mais confortável, que deverá ter um quarto de casal, um escritório, uma sala de reuniões e uma centena de meias-camas para os seus acompanhantes. . O avião possivelmente escolhido tem um preço em torno de US$ 80 milhões. A pergunta que a opinião pública coloca é se não há problemas mais prementes no país neste momento do que a aquisição de um avião mais moderno e luxuoso para o presidente. Nem mesmo Bolsonaro fez isso.
A insistência de Lula no seu apoio à Rússia e ao seu líder Putin no delicado e perigoso conflito da guerra com a Ucrânia pode ser criticada ou não? Ou a insistência em defender que a Venezuela é uma democracia ? Ou as suas constantes críticas ao Ocidente e os seus esforços para criar uma nova moeda para enfraquecer o dólar e apoiar a China? Por que não se questiona a presença política aparentemente excessiva da mulher de Lula, Janja, no novo Governo e em viagens oficiais ao exterior?
Na ânsia de defender Putin, Lula lhe fez saber que se no ano que vem quisesse vir ao Brasil para participar do G20 “não seria impedido”. Isto porque neste momento o presidente russo evita participar em cimeiras internacionais por medo de ser preso graças a uma ordem do Tribunal Penal Internacional que em março de 2023 emitiu uma pena de prisão contra ele por alegados crimes na guerra na Ucrânia.
Assediado pela mídia, Lula primeiro voltou atrás e afirmou que se o líder russo viesse ao Brasil, seria a polícia quem decidiria se ele seria preso ou não, e não ele. Posteriormente, chegou a dar a entender que desconhecia a existência do referido Tribunal, enquanto o Ministro da Justiça, Flávio Dino, não exclui que o Brasil possa decidir sair. Nesse caso, Putin poderia vir ao Brasil em paz.
Poderão os meios de comunicação social ser responsabilizados por criticarem o que é visto como demasiada atenção política dada ao líder russo neste momento? Goste ou não, a mídia clássica, que possui controles internos rígidos sobre a veracidade dos fatos, continuará sendo um bastião da democracia contra a guerra implementada pelas notícias falsas nas redes.
No Brasil, ainda ressoa uma frase já famosa da ex-presidente Dilma Rousseff: ao vencer as eleições, em seu primeiro discurso afirmou: “Prefiro o barulho dos jornais ao silêncio das ditaduras”. Ela, que ainda carrega as cicatrizes da tortura durante a ditadura militar, arquivou então um projeto da ala mais dura de seu partido, o PT, que buscava controlar a mídia e os jornalistas.
Hoje que Lula voltou felizmente à Presidência, depois da noite escura do golpe de Bolsonaro que sempre odiou a mídia, qualquer iniciativa dele ou de seu partido contra a liberdade de expressão seria triste e inconcebível.
(Transcrito do El País)