A direita que não quer se misturar com “essa laia” (por Itamar Garcez)
Um dos caminhos da distensão política é espanar os extremos do poder e começar a debater como conduzir o Brasil do século XXI
atualizado
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“O presidente Jair Bolsonaro pauta suas ações pelo confronto incessante, pela produção permanente do enfrentamento”. “Jair Bolsonaro, o mais inepto, irresponsável e inconsequente dos presidentes que governaram a Nação ao longo destes quase 132 anos de história republicana”. “O Brasil é hoje muito malvisto lá fora e caminha para certa irrelevância. Isso deve continuar. O que estamos fazendo sobre a Amazônia é uma loucura para o mundo, mas sobretudo para nós”. “Ao desprezar os fatos e a civilidade, Jair Bolsonaro humilha e desonra o País internacionalmente”. “Bolsonaro é um mentiroso contumaz”.
“O interesse nacional é remover um presidente catastrófico, que rendeu a nação ao coronavírus e, ameaçando a democracia, planeja contestar sua inevitável derrocada eleitoral”. “Ainda há tempo – mas não muito. É difícil imaginar o que seriam mais quatro anos do mesmo, a partir de 2023”. “O bolsonarismo é um populismo reacionário e boçal, cuja estridência e histrionismo prejudicam a parcela sensata da direita, que se vê impelida a traçar uma linha divisória, como o fez a senadora Soraya Thronicke, (…), ao declarar: ‘Não quero me misturar com essa laia’ “.
“Como agora se tornou muito claro, o presidente Bolsonaro integra ativamente essa máquina de desestabilização da democracia”. “Bolsonaro é aquela imagem acabada de um não-liberal. É o cara da extrema direita que não acredita na ciência, não acredita na sustentabilidade, não respeita os Três Poderes, é a favor da tortura e gosta de exaltar ditadores. Bolsonaro é o oposto da ideia do liberalismo”. “Do ponto de vista econômico, é absolutamente paralisante”. “Bolsonaro desmoraliza o liberalismo mais do que qualquer presidente de esquerda”.
“O diálogo, o reconhecimento do outro não fazem parte de seu mundo, que se constitui num mundo à parte ao da democracia e das liberdades”. “Jair Bolsonaro não é conservador; é apenas reacionário. O conservadorismo não se opõe a reformas, e sim às rupturas revolucionárias”. “Num cenário de horror eleitoral em 2022, Bolsonaro é o Alien e Lula é o Predador. Numa eventual disputa no segundo turno em 2022 entre Bolsonaro e Lula, a sensibilidade conservadora indica que o Lula seria a opção menos ruim”.
Fora, Bolsonaro
Não, leitor, as afirmações acima não foram copiadas de blogs sujos. Todos os autores destas sentenças têm pelo menos uma destas três características: direitista, liberal ou conservador. Em comum, têm ojeriza ao PT.
Parte da chamada direita liberal nunca engoliu o capitão-mor. Em 2018, diante da escolha entre dois extremos, dispensou-se de apoiar o, até então, folclórico deputado. Recordando: 42,3 milhões (30,87%) de eleitores rejeitaram os dois candidatos no segundo turno.
Outro contingente votou em Bolsonaro acreditando que seria possível avançar as reformas liberais e enterrar o petismo dominante no Brasil pós-ditadura militar. Parte desta turma arrependeu-se.
Ideias & ideais
A utopia é ver a política tomada por gente que lute por ideias e ideais. No mundo real, há muitos espertalhões e alguns idealistas. Fora da lógica maniqueísta, há também idealistas espertalhões. Angariam benesses para si e para os seus, ao mesmo tempo em que aprovam avanços legais. O Parlamento brasiliano é cenário destas contradições.
O embate saudável que o Brasil poderia estar vivenciando hoje, decorridos 36 anos de democracia ininterrupta, é a confrontação dos modelos de Brasil que os brasilianos querem para os 79 anos que restam do século XXI. As condições para fugir da mediocridade estão postas. A chamada esquerda não autoritária está na janela, como sempre esteve. A chamada direita, agora sem vergonha, saiu do armário.
Este debate, no entanto, está interditado justamente pelo presidente da República. (Do outro lado, a esquerda autoritária também não quer conversar, mas doutrinar.) Ao mesmo tempo em que contribuiu, como força centrípeta, para reunir este contingente, Bolsonaro precipitou sua súbita dispersão. Esta veio sobretudo pelo caráter desagregador, egocêntrico, apedeuta e obtuso do mandatário.
Passados quase três anos de inépcia administrativa e ausência de rumo programático, parte da chamada direita de raiz convenceu-se de que o capitão-mor não é o condutor rumo ao Brasil liberal e conservador. As sentenças que abrem este artigo exibem estas decepcionadas conclusões. Viram que, no comando, há uma “laia” com a qual não querem se misturar.
Distensão política
Espanando os extremos e com algum desprendimento é possível deflagrar o debate democrático e honesto sobre como livrar o País da paralisia econômica e social. Assim como na chamada esquerda parecem ser minoritários os que flertam com regimes autoritários e hegemônicos, na chamada direita há democratas e moderados. In medio stat virtus. Alternância entre extremos gera tensão permanente e descontinuidade administrativa.
Uma direita autêntica poderá levar racionalidade para o debate relevante. Hoje, o descontentamento com o presidente da República se espraia entre liberais e conservadores, os quais perceberam que o capitão-mor não os representa.
A imprevisibilidade desta tarefa é que há, pasme-se, milhões de brasilianos em ordem-unida atrás de Bolsonaro. Grosso modo, esta grei é constituída por crentes (amedrontados pela imposição da pauta de costumes), finórios (políticos e empresários que disputam seu quinhão do erário), antidemocratas e os que veem Bolsonaro como único anteparo à volta do petismo ao poder.
Há crescente interesse eleitoral na larga parcela nem-petista-nem-bolsonarista por um moderado, aquele terceiro candidato presidencial que conduziria o Brasil sem arroubos autoritários e com a necessária mediação num Brasil tão díspar de interesses e propósitos. Que não reincida em fórmulas mágicas, nem requente receitas emboloradas e malsucedidas. Não postule a censura da imprensa nem o fechamento do Congresso Nacional. Por enquanto, um desconhecido.
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Seguem os autores em ordem aleatória das aspas iniciais deste artigo. Elena Landau, Denis Lerrer Rosenfield, Pedro Malan, Catarina Rochamonte, Demétrio Magnoli, Armínio Fraga, Luiz Felipe Pondé, Alexandre Schwartsman & editorialistas do Estadão.