A desordem está nas instituições (por Roberto Brant)
As instituições da República, todas elas, tem funcionado de costas para o interesse público
atualizado
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A democracia vive turbulências em toda a parte. A Revolução Digital trouxe benefícios jamais imaginados para a vida das pessoas, mas, ao mesmo tempo, transformou de modo radical as sociedades e as economias. Nas democracias o Poder ficou muito mais transparente e, com acesso a muito mais informação, a população multiplicou suas demandas ao Estado, colocando grandes pressões no sistema político.
Nas sociedades fechadas, governadas por regimes autoritários, sem competição política e sem liberdade de expressão, o mal-estar das pessoas não chega a se constituir em tensão social e o silêncio e o conformismo aparente dão a impressão de paz social e política. Além disso os governos são mais ativos, no sentido de que as políticas públicas são decididas sem discussão e a execução se faz sem intercorrências. São governos que podem fazer muito e podem também errar muito, e frequentemente erram, só que os erros são descobertos mais tarde.
As instituições políticas da democracia foram desenvolvidas há longo tempo, num ambiente muito diverso do que existe hoje. Confrontadas com a rapidez e a profundidade das mudanças provocadas pelas novas tecnologias da informação, as democracias estão sob duros ataques. O capitalismo sempre foi um sistema que produzia desigualdade, mas a Revolução Digital separou ainda mais as pessoas e, ao mesmo tempo, tornou estas desigualdades mais transparentes. Os governos submetidos aos processos democráticos de decidir e de executar políticas públicas são mais lentos e sujeitos a sérios impasses e paralisias. É natural que a grande maioria da população, além do temor das mudanças, se sinta desprotegida e desamparada pelo Estado. Daí para a tentação do populismo autoritário é um pulo.
Em tempos de normalidade as instituições democráticas são difíceis de reformar. O sistema partidário, o sistema eleitoral, o modo de funcionamento do Parlamento, os órgãos do Poder Judiciário, os benefícios e privilégios de toda a numerosa classe dirigente, do vereador e do juiz do pequeno município até às cúpulas dos Poderes, toda esta imensa máquina de poder sempre está confortável com o status quo e só em casos excepcionais deixa de reagir à mudanças que ponham em risco sua posição. Se essas instituições, no entanto, não forem profundamente reformadas, o antagonismo entre governo e população só tende a crescer, podendo um dia chegar a um ponto de ruptura.
Nas democracias mais amadurecidas os eleitores, ou se abstém em grande número ou têm mostrado insatisfação com os governos e uma grande dificuldade de formação de maiorias nítidas.
Á falta dessas maiorias e de consensos claros, os governos se arrastam na rotina e apelam para as polarizações estéreis que só servem para as disputas de poder e nada mais. Governos transformadores, com apoio social e capazes de compartilhar visões construtivas, estão cada vez mais raros. Sem eles as democracias deixam de funcionar.
Apesar da aparente serenidade, o Brasil é um país em crise. A economia cresce muito aquém do que seria necessário para sermos um país de uma grande maioria de classe média. Ainda por cima, vivemos no limite de uma crise fiscal e com perspectivas sombrias de crescimento futuro, em razão do declínio do investimento e do ambiente de insegurança causado por imprudências legislativas e por um Judiciário errático, para dizer o menos.
Em vários países as imperfeições da democracia em lidar com as mudanças tecnológicas e suas consequências têm provocado surtos de desordem entre a população. Entre nós a desordem provém principalmente das instituições, cujos membros distorcem as leis em seu proveito e vivem de capturar os recursos públicos em seu benefício, como demonstrou cabalmente o prof. Bruno Carazza, em seu livro recente “O país dos privilégios”.
As instituições da República, todas elas, tem funcionado de costas para o interesse público e despiedadas da maioria dos brasileiros. É preciso, no entanto, ter imaginação suficiente para que não morra em nós a esperança de que, mesmo aos poucos, essas realidades um dia serão transformadas.
Roberto Brant, ex-ministro da Previdência Social do governo Fernando Henrique Cardoso